Implosão do PL da anistia aponta declínio do bolsonarismo. É hora de solidificar a democracia
Adiamento decidido por Hugo Motta, prisão simbólica de Collor e crise da gestão Trump aprofundam fragilidade da direita radical no Brasil e no mundo
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, tomou uma decisão emblemática nesta semana, adiando a discussão do projeto de lei conhecido como “PL da Anistia”. A medida previa, originalmente, anistiar tanto os participantes diretos quanto organizadores e financiadores dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e depredaram sedes dos três poderes da República.
A base bolsonarista no Congresso, que defendia a urgência na aprovação do projeto, viu seus planos desmoronarem com a articulação promovida por Motta, que garantiu amplo apoio para retirar o tema da pauta imediata. Com líderes partidários garantindo mais de 400 deputados contrários ao regime de urgência, a bancada radical bolsonarista foi isolada politicamente, demonstrando uma clara perda de força do discurso extremista.
Além do adiamento, houve uma significativa alteração no texto da proposta: o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, anunciou que a anistia seria restrita somente às pessoas fisicamente presentes nos atos de 8 de janeiro, excluindo completamente os financiadores e idealizadores do ataque às instituições democráticas.
A exclusão desses atores-chave tornou evidente que a defesa do golpismo não encontra mais espaço para prosperar legislativamente, deixando aberto o caminho para que os organizadores enfrentem julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
O enfraquecimento da iniciativa legislativa de proteção aos golpistas também impacta diretamente a figura de Jair Bolsonaro. Já duplamente inelegível e réu no STF, Bolsonaro vê agora mais distante a possibilidade de viabilizar uma candidatura presidencial em 2026. Sem força política suficiente para garantir proteção institucional aos aliados mais próximos, o ex-presidente perde capital político dentro do seu próprio campo ideológico.
Nesse contexto, surge espaço para novas lideranças assumirem a disputa pelos espólios políticos do bolsonarismo. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, já desponta como uma alternativa viável, ocupando um papel cada vez mais central no cenário da direita radical, enquanto Bolsonaro se vê obrigado a atuar nos bastidores, buscando influenciar futuras alianças e obter garantias de proteção judicial em troca de apoio político.
Do ponto de vista simbólico, a rejeição ao PL da Anistia reflete um avanço histórico na consolidação institucional brasileira. O Congresso, ao decidir não compactuar com a anistia aos responsáveis pela tentativa de ruptura democrática, reforçou o compromisso do país com o Estado de Direito e deu um recado contundente à sociedade: o golpismo não será tolerado, independentemente de sua origem política. Esse posicionamento parlamentar fortalece a confiança nas instituições e consolida uma estabilidade política essencial para a governabilidade futura.
Outro fato relevante que reforça essa mudança simbólica foi a prisão do ex-presidente Fernando Collor de Mello, condenado pelo STF por corrupção e lavagem de dinheiro. Sua detenção, ocorrida neste 25 de abril, consolida um precedente inédito de responsabilização penal para ex-chefes de Estado brasileiros, indicando que a impunidade histórica não prevalecerá. Esse episódio aumenta a pressão sobre Bolsonaro, sinalizando que, se condenado pelos crimes que lhe são atribuídos, também poderá enfrentar destino semelhante.
Cenário internacional pode ser desfavorável à extrema-direita
O movimento brasileiro contra a impunidade ocorre simultaneamente a um cenário internacional potencialmente desfavorável à extrema-direita. A gestão caótica e contraditória de Donald Trump à frente do seu segundo mandato nos Estados Unidos vem gerando crescente desconfiança global em relação à viabilidade política dos projetos ultranacionalistas e populistas.
Exemplos concretos são as recentes críticas públicas feitas por China e União Europeia sobre as negociações comerciais lideradas pelos Estados Unidos. Autoridades chinesas negaram categoricamente qualquer avanço significativo nas conversas bilaterais, exigindo inclusive que os EUA retirem tarifas antes de iniciar novas tratativas comerciais.
Da mesma forma o fez Valdis Dombrovskis, da Comissão Europeia, manifestando descrença sobre a eficácia e clareza das propostas norte-americanas para superar disputas tarifárias recentes.
Essas críticas internacionais indicam que a estratégia protecionista e conflituosa adotada por Trump tende a minar a influência econômica e política tradicionalmente exercida pelos EUA no cenário global. A China, atenta a esses movimentos, vem fortalecendo seu papel na organização do comércio mundial, ocupando espaços abertos pela retração americana.
Cabe pontuar que essa ascensão chinesa não representa necessariamente um avanço em direção a uma ordem mundial mais justa ou equilibrada. Pequim também persegue objetivos próprios, muitas vezes distantes dos ideais igualitários, sobretudo internamente, que reforçam contradições claras na sociedade chinesa.
Para o Brasil, que está lidando agora com os traumas internos de sua própria história recente, incluindo os desafios gerados pelo bolsonarismo, é fundamental manter atenção sobre essas mudanças no tabuleiro internacional. Ao o que o país reforça internamente seus mecanismos institucionais de proteção democrática e combate ao autoritarismo, deve também avaliar cuidadosamente como se posicionará diante das reconfigurações internacionais emergentes.
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