“Gestores, sois professores”
No Brasil temos inúmeros órgãos, sindicatos, associações e grupos de redes sociais que denunciam e lutam para interromper esse ciclo de descaso e violência
Venho acompanhando com perplexa curiosidade o aumento do número de denúncias contra gestores nas escolas do estado do Ceará. Alguns relatos de assédio moral contra o corpo docente são tão impressionantes que mais parecem obra de ficção, de tão vis e bem articulados, e se constitui uma das causas do adoecimento de uma legião de educadores da rede básica de ensino. Não entrarei na realidade de outros estados da federação, por falta de espaço nesse breve texto e por ter a quase certeza de que as queixas são praticamente as mesmas. Em todos os lugares, o desrespeito é unificado.
É fato que o ambiente escolar sempre foi palco de tensões de todas as ordens. A minha tese de doutorado em Educação, pela Universidade Federal do Ceará, contemplou a história de um educador cearense, do início do século XX, o Prof. Joaquim da Costa Nogueira, e uma das instituições fundada por ele, o Instituto de Humanidades. Ao me debruçar sobre as fontes documentais do Instituto me deparei com uma série de registros sobre indisciplina de alunos, reclamações dos seus responsáveis contra os professores, artigos jornalísticos, favoráveis ou não, ao método de ensino da instituição, dentre outros conflitos no âmbito escolar; mas nada é comparável aos relatos de que tomamos conhecimento e vivenciamos no exercício da profissão, atualmente.
Os relatos denunciam a perseguição aos ditos professores “subversivos”, que questionam o sistema de metas e a forma de cobrança junto aos docentes, que ignora a realidade do corpo discente e a essência humana do professor; a atribuição de tarefas que não são da alçada destes, ou mesmo que divergem de sua formação; a responsabilização de erros que não foram cometidos pelo educador; a crítica excessiva da gestão, muitas vezes, sem base legal ou técnica para fazê-la, apenas por antipatias; o uso do cargo hierárquico para intimidar e controlar “seus” professores; a imposição de práticas notoriamente antiéticas, como por exemplo, fomentar rivalidades entre os educadores, visto que, “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”; como também, instigar que os responsáveis dos alunos façam denúncias sobre os professores “encrenqueiros”, “trabalhosos”, como justificativa para o profissional sofrer alguma penalidade.
Além de tudo isso, o questionamento da competência do regente de sala; a ameaça de afastamento da escola àqueles que ousam concorrer à eleição ao cargo de gestor e o mais inacreditável, a difamação pelo qual são vítimas os educadores “problemáticos” em grupos de whatsapp de gestores, o que pode acarretar a uma não efetivação do licenciado em outra escola, pois a sua “má fama” já foi jogada aos quatro ventos.
Aqui no Ceará, o Deputado Estadual Renato Roseno do PSOL, que preside a Comissão de Direitos Humanos da ALECE, é o parlamentar que tem acolhido os relatos de inúmeros professores da rede pública do Ceará. A cada denúncia, o seu gabinete formaliza um procedimento junto à Secretaria de Educação. Na semana ada, o deputado palestrou sobre o tema nesse órgão do governo estadual, entretanto é imprescindível que, além dos políticos ativistas pela educação, o governo do Ceará entre na luta contra essa prática abjeta nas suas instituições de ensino, afinal os resultados da Educação no estado têm sido o carro chefe desse e de vários governos de outrora, mas isso às custas da saúde de quem?
É importante frisar que a Escola precisa ser um ambiente de paz para que gestores e professores exerçam o seu trabalho com excelência e dignidade; todavia prezar pela paz não é fingir que está tudo bem, que a escola é uma família (a minha não!) e que os problemas serão resolvidos, os colocando debaixo do tapete institucional. O núcleo gestor deve chamar a atenção do professor caso ele cometa algum deslize, falte ao serviço e não dê satisfação à escola; ato que, infelizmente, muitos colegas ungidos pelas gestões praticam, e que muitas vezes traem os seus iguais, acreditando serem os preferidos do rei.
Nessa semana, o Chefe do Executivo Estadual anunciou que os gestores das escolas do estado receberão a partir do próximo mês, uma segunda gratificação no contracheque; o que seria muito justo e louvável, quando lembramos de gestores do porte e compromisso do Prof. Otacílio Bessa (in memoriam), que foi do Adauto Bezerra; da Profa. Sebastiana Farias, que foi do Juarez Távora; da professora Leilane Façanha, atual gestora da escola Dep. Paulino Rocha e outros tantos comprometidos com a educação e com a juventude. Lembrei-me desses nomes pelo fino trato, criticidade “pero sin perder la ternura jamás” e sem necessariamente dizer apenas amém aos muitos desvarios dos generais da educação, mas quando pensamos nos assediadores vingativos que têm adoecido uma das classes trabalhadoras mais importantes da sociedade, se faz necessário um questionamento: Quais os critérios para esse benefício, governador?
É de extrema necessidade, também, lembrar aos gestores escolares que eles são professores e estão gestores; cargo esse ageiro, pois daqui a algum tempo voltarão às salas de aula (um pesadelo para muitos); apesar de que, o processo de seleção da gestão escolar no estado do Ceará ainda permite que sejam implantadas verdadeiras dinastias educacionais, cujo patrimônio público se mistura ao patrimônio privado, na cabeça e na prática desses faraós.
No Brasil temos inúmeros órgãos, sindicatos, associações e grupos de redes sociais que denunciam e lutam para interromper esse ciclo de descaso e violência por que am os docentes, oferecendo reflexões e soluções para que o professor assediado volte a ter tranquilidade e que o gestor assediador volte a ser um educador.
Denúncias no Ceará poderão ser feitas:
@renatoroseno
@vozdocentecontraoassedio
@seduc_ceara
Ouvidoria do Estado do Ceará: 155 (Das 8h às 17h)
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: