Galípolo reproduz a política de juros altos de Campos Neto
Na prática, a transição de Roberto Campos Neto para Galípolo foi mais estética do que estrutural
Gabriel Galípolo chegou ao Banco Central como um sopro de mudança. Economista com formação crítica, ligado ao campo desenvolvimentista, ex-secretário executivo de Fernando Haddad no Ministério da Fazenda, era visto como a esperança de um novo ciclo na política monetária brasileira. Mas, até aqui, a promessa de renovação tem se diluído em atas conservadoras e juros mais elevados — em plena desaceleração da economia.
Na prática, a transição de Roberto Campos Neto para Galípolo foi mais estética do que estrutural. O Copom segue conservador, a Selic continua em alta e o discurso da autoridade monetária insiste em uma inflação de demanda que não existe.
Uma inflação que não vem do consumo
A política de juros altos faz sentido quando há uma economia superaquecida, com excesso de crédito e consumo pressionando os preços. Mas o que vivemos hoje é o oposto: a economia brasileira cresce pouco, o desemprego ainda é elevado e a massa salarial avança lentamente. A inflação, embora acima da meta, é explicada muito mais por fatores estruturais e choques de oferta (energia, alimentos, combustíveis, câmbio, clima) do que por uma explosão de demanda.
O IPCA acumulado em 12 meses (dados de abril de 2025 do IBGE) está em torno de 5,4%, muito próximo da inflação média dos últimos dez anos, 5,2%. Mas se o Copom mantém a Selic em 14,75% a tendência é acirrar a inflação porque pressiona custos, encarece o capital de giro para as empresas. Estamos na contramão dos países centrais — inclusive os EUA — que começam a cortar juros.
Essa postura conservadora atrasa a recuperação econômica, encarece o crédito, dificulta o investimento e compromete o crescimento sustentável. O BC parece operar num piloto automático ancorado em um modelo teórico ultraado: combater qualquer inflação com aumento de juros, ainda que o remédio agrave o problema.
O efeito perverso da ortodoxia
A política monetária atual tem efeitos colaterais claros:
- Encarece o financiamento das famílias e das empresas, travando consumo e investimento;
- Eleva a dívida pública, já que o governo paga mais juros sobre seus títulos;
- Freia a geração de empregos, especialmente em setores como construção civil, indústria e serviços;
- Beneficia o rentismo, favorecendo ganhos financeiros em detrimento da economia real.
Em outras palavras, juros altos transferem renda de quem produz para quem especula. E fazem isso sob o pretexto de uma inflação "resistente", quando na verdade ela decorre de desequilíbrios globais e choques climáticos, que não respondem a instrumentos de política monetária.
Galípolo: continuação ou transição?
O desafio de Galípolo não é repetir Campos Neto com fala mais próxima ao campo progressista. É fazer diferente — com responsabilidade, mas também com ousadia. Caso contrário, sua agem pelo Banco Central será apenas mais uma chance desperdiçada de romper com um modelo que custa caro demais ao país.
A baixa e irreal meta de 3% de inflação para a economia brasileira tem sido um obstáculo e um erro de política. Foi de 4,5% por 13 anos, de 2005 a 2018, quando começou a ser reduzida gradativamente pela dupla Ilan Goldfajn e Henrique Meirelles que pilotavam, respectivamente, o Banco Central e o Ministério da Fazenda à época. As alterações também incluíram um estreitamento das bandas de tolerância, que são as margens para cima ou para baixo dentro das quais o BC deve manter a flutuação dos preços ano a ano. Elas eram de dois pontos percentuais e, agora, estão em 1,5 ponto. É um intervalo muito pequeno para um índice de preços como o brasileiro, que carrega um peso muito grande do item alimentos com fortes efeitos sazonais provocando oscilações acentuadas. Tem que ser mudado urgentemente, tanto a meta quanto as margens.
Gabriel Galípolo tem cobrado publicamente mais autonomia para o Banco Central, reivindica a autonomia financeira, enfatizando que essa independência não significa "virar as costas para a sociedade ou para o governo democraticamente eleito". Ele argumenta que a autonomia é essencial para que o BC possa cumprir suas funções - garantir a estabilidade de preços e do sistema financeiro, controlar a política monetária e cambial, e fiscalizar as instituições financeiras.
No entanto, essa defesa da autonomia, especialmente no contexto da manutenção de juros elevados, tem gerado críticas. A principal preocupação é que uma autonomia excessiva possa levar a decisões que não consideram adequadamente o impacto social e econômico mais amplo, como o efeito dos juros altos sobre o crescimento econômico e o emprego. Além disso, há riscos de que o BC possa se tornar menos responsivo às necessidades e prioridades do governo eleito, dificultando a implementação de políticas econômicas integradas.
A discussão sobre a autonomia do BC é complexa e envolve a necessidade de equilibrar a independência técnica da instituição com a responsabilidade democrática e a coordenação eficaz com as políticas do governo. É fundamental garantir que o BC possa operar de forma eficiente e técnica, mas também que suas decisões estejam alinhadas com os objetivos econômicos e sociais mais amplos do país.
A permanência desse modelo sob a direção de Galípolo frustra as expectativas de mudança. Estamos diante do mesmo conservadorismo de Campos Neto. A "moderação responsável" de Galípolo, embora elogiada por parte do mercado – o mercado financeiro - pode se tornar um erro histórico se prolongar o custo social de uma política econômica descolada da realidade.
É preciso coragem intelectual e política para dizer: a política monetária brasileira está ultraada. E, pior, produz efeitos regressivos. Não se trata de romper com a autonomia do BC, mas de exigir coerência: se a inflação tem outras causas, o instrumento precisa ser outro.
O que fazer?
- Rediscutir o modelo de metas de inflação, aumentando a meta e aceitando maior flexibilidade;
- Incorporar múltiplos objetivos na política monetária, como pleno emprego e estabilidade financeira;
- Melhorar a comunicação do Copom, tornando mais transparente a análise de conjuntura e os fundamentos das decisões;
- Alinhar a política monetária à fiscal e industrial, criando coerência macroeconômica para estimular crescimento com estabilidade.
O risco da neutralidade omissa
Galípolo ainda tem capital político, técnico e institucional para imprimir uma inflexão. Mas o tempo corre. O Brasil precisa de juros compatíveis com seu estágio de desenvolvimento e com a realidade da inflação. Manter a taxa Selic nas alturas em um cenário de baixo crescimento não é prudência: é ortodoxia improdutiva.
A perpetuação da política de juros abusivos — sob Campos Neto ou Galípolo — revela o peso de uma hegemonia tecnocrática que resiste a qualquer questionamento e que se coloca a serviço da “Faria Lima”. E quem paga por essa rigidez não são os donos das mesas de operação do mercado, mas as famílias endividadas, os empreendedores sufocados e os milhões que ainda esperam por um emprego formal.
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