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      Luis Pellegrini

      Luís Pellegrini é jornalista e editor da revista Oásis

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      Francisco, o guerreiro da humildade

      Apesar de humilde, o papa Francisco até o fim comportou-se como um verdadeiro guerreiro. Um guerreiro da humildade

      Papa Francisco realiza audiência geral semanal no Vaticano em 2023 - 09/08/2023 (Foto: Mídia do Vaticano via REUTERS)

      A 29 de julho de 2013, a bordo do avião que o levava de volta à Itália, após participar da Jornada Mundial da Juventude no Rio, papa Francisco conversou por 1 hora e meia com jornalistas. Ele respondeu a uma pergunta da jornalista brasileira Ilze Scamparini sobre o “lobby gay” no Vaticano: “Como o senhor pretende enfrentar essa questão?” A resposta que ele deu gerou repercussão internacional: “Se uma pessoa é gay e procura Jesus, e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”

      Foi o primeiro pronunciamento dele que ouvi, e minha reação foi de pura iração. Pela coragem que demonstrava no enfrentamento de um dos tabus mais pétreos e polêmicos da Igreja: a questão do celibato e a da castidade entendida como virtude maior do sendeiro cristão. Nessa única frase Francisco concentrava valores universais de primeira grandeza. Primeiro, reconhecia – coisa rara em pontífices – o direito inalienável que todos temos de ser aquilo que somos e de amarmos a quem quer que seja. Segundo – e isso talvez seja ainda mais importante: ao pronunciar esse questionamento fundamental, “Quem sou eu para julgá-la?”, ele desferia um golpe mortal contra a arrogância, que os gregos antigos chamavam de húbris e consideravam a pior e mais terrível de todas as falhas trágicas que o ser humano pode cometer. Qual cristão católico teria coragem moral, a partir disso, para se autoatribuir esse direito se o próprio Pontífice Máximo o negava para si?

      Bergoglio morreu no amanhecer da segunda-feira da Páscoa, imerso em um panorama de guerras que para ele se tornara uma obsessão, com as suas “sombras da morte”, com os seus “pobres e oprimidos da terra, aqueles que têm as costas recurvadas sob o peso da vida”, como ele fez questão de recordar na sua homilia do domingo de Páscoa, poucas horas antes de morrer. Foram suas últimas palavras como papa, coerentes com tudo o mais que ele disse e fez nos seus 12 anos de pontificado. Na verdade, tudo se revelou e foi anunciado já na escolha do seu nome: Francisco. Talvez o santo mais popular e universal, com o seu testemunho de pobreza e de humildade, com sua constante pregação pela paz, com todo o escancarado amor não apenas ao Criador mas também à Criação, como testemunha o Cântico das Cristuras. Um homem de Deus que através das suas obras e seu exemplo fala também ao universo dos não-católicos e o dos não-cristãos. Como o santo de quem emprestou o nome, Francisco fala sobretudo aos homens e mulheres de boa vontade, pouco se importando com a tradição religiosa à qual possam estar afiliados. Podemos chamar isso de a coragem da humildade, a responsabilidade de escolher um exemplo extremo, radical, claro e evocativo como um símbolo permanente. Francisco, um nome de ruptura, visto que nem um único Papa no ado o tinha escolhido, como se o que ele representa como símbolo fosse demasiado ambicioso, impossível de ser alcançado.

      Na realidade sabe-se que Bergoglio tinha pensado, caso fosse escolhido, adotar o nome de João 24, tendo Angelo Roncalli, o “Papa Bom” como referência. Mas pouco antes do final da votação definitiva que o levou ao trono de Pedro, o cardeal brasileiro Claudio Hummes disse a Bergoglio que estava sentado a seu lado: “Não esqueça os pobres da terra”. 

      Parece que essas palavras foram decisivas para levar o novo papa a sair do labirinto de referências a pontífices do ado – quase todos de perfil conservador – e partir para uma nova estrada de “governo rebelde” da Igreja, tendo São Francisco como modelo radical. Francisco é na verdade um projeto, uma trajetória de conduta e um destino livremente escolhidos, uma profecia de libertação para o corpo e a alma dos homens.

      Como escreve o jornalista italiano Enzo Mauri, referindo-se à escolha do nome Francisco: “É como se o Papa Bergoglio tivesse compreendido o estado de crise em que a Igreja se encontrava, sua fragilidade no plano universal, aquela fraqueza denunciada por Joseph Ratzinger diante dos escândalos, das chantagens, do “corvo que penetra nas salas sagradas”, dos pecados curiais “contra o sexto e o sétimo mandamento”, como afirma o relatório secreto assinado pelos três cardeais encarregados da investigação interna. O nome de Francisco impõe enormemente, não permite retroceder, mas exige fidelidade. Voltar ao Evangelho, dando testemunho dele. Renunciar aos muitos enfeites inúteis que adornam a Igreja. Caminhar entre os lobos. Reparar a casa de Deus. Livrar-se das riquezas, após o escândalo do IOR. Transferir a majestade pontifícia entre São Pedro e o mundo, entre o Papa e seu povo, pedindo à praça que abençoe o novo Pontífice antes de receber dele a bênção Urbi et Orbi”.

      Papa Francisco em nenhum momento esmoreceu em seu projeto. Apesar de humilde, até o fim comportou-se como um verdadeiro guerreiro. Um guerreiro da humildade.

      E por falar em humildade, quando morava em Roma, lembro-me que entrei certa vez na Igreja de San Carlo ai Catinari, no centro da cidade. Queria apenas desfrutar por alguns minutos da quietude e do frescor que reinavam ali dentro. A igreja estava totalmente vazia, sentei-me em um dos bancos e comecei a irar com o olhar as extraordinárias obras de arte, quadros, afrescos, esculturas, que ela abriga. Foi quando um padre saiu da sacristia. Ao me ver, caminhou até onde eu estava para me cumprimentar, e perguntou: “Vi que estava apreciando nossos afrescos. O que nesta igreja mais lhe chamou a atenção?” E eu respondi: “A inscrição Humilitas, em grandes letras douradas, colocada logo acima do altar principal”. E o padre: “É o moto da família Borromeo, de Milão, onde nasceu São Carlos, nosso santo patrono. Você sabe por que? Porque Humilitas, a humildade, é a chave que abre as portas da Divina Providência”.

      Na manhã de sábado, 26 de abril, Francisco estará sendo sepultado em seu caixão de madeira simples, na Basílica de Santa Maria Maggiore, uma das igrejas mais bonitas de Roma. Na sua lápide, e segundo o seu último desejo, haverá apenas uma única palavra: Francisco.

      E que a humildade de Francisco abra as portas para que a Divina Providência ilumine as mentes e os corações dos príncipes da Igreja que, dentro de duas semanas, escolherão o novo papa.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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