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      Reynaldo José Aragon Gonçalves

      Reynaldo Aragon Gonçalves é jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC) e do INCT em Disputas e Soberania Informacional.

      35 artigos

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      Entre o algoritmo e a covardia: estamos perdendo a guerra informacional

      Entre o discurso e a rendição, o Brasil se aproxima do colapso simbólico de 2026 de olhos vendados

      Celular (Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil)

      Por Reynaldo Aragon e Eden Cardim 

      O discurso não salva

      "Não é possível que tudo tenha controle, menos as empresas de aplicativos". A frase, dita pelo presidente Lula durante o lançamento do programa Solo Vivo, neste sábado (24), em Campo Verde, no Mato Grosso, foi proferida com a indignação certa, no tom correto e na hora oportuna. Mas como toda indignação proferida da tribuna institucional, ela carrega o risco de virar apenas mais uma peça retórica jogada ao vento. Porque, na prática, e aqui falamos da realidade objetiva, concreta, material, quem menos tem controle hoje no Brasil é justamente o próprio Estado sobre o campo informacional. E o governo, ao contrário do que sugere o discurso, não está enfrentando as plataformas. Está capitulando a elas.

      Vivemos sob domínio direto de corporações globais que modulam afetos, produzem a verdade, capturam dados e definem o que é ou não visível no tecido social. Essa não é uma abstração teórica: é uma engrenagem objetiva de poder. E o governo Lula, mesmo com toda a retórica de defesa da democracia, segue sem enfrentar de fato o vale do silício, suas redes, seus algoritmos e seu lobby. Há uma contradição gritante entre o que se diz e o que se faz, e ela precisa ser apontada com radicalidade crítica, não para destruir, mas para alertar.

      Não é possível atravessar um momento de inflexão histórica em que se decide o destino do campo simbólico das lutas sociais, fazendo de conta que estamos regulando enquanto, no bastidor, se elogia o Google, se desvia da taxação das big techs, se entrega dados públicos ao setor privado e se desmonta o pouco que ainda resta de governança democrática da internet no Brasil Essa crítica não parte da oposição reacionária ou da chantagem liberal. Ela parte de quem defende esse governo por uma convicção histórica, dialética, material. E exatamente por isso, é preciso dizer: sem soberania informacional, não haverá projeto democrático possível em 2026.

      A farsa da regulação: CGI vs Anatel

      Se há um símbolo objetivo da capitulação silenciosa do governo no campo da soberania informacional, ele atende pela sigla CGI.br. O Comitê Gestor da Internet no Brasil é uma das estruturas mais avançadas de governança democrática e multissetorial do mundo. Criado em 1995, ele garante, ao menos formalmente, a participação da sociedade civil, da academia e do terceiro setor nas decisões sobre políticas de internet. Defender o CGI.br, portanto, é defender a pluralidade na arquitetura informacional do país.

      Mas o que faz o governo? Enquanto Lula e Janja discursam contra os abusos das plataformas, Haddad flerta com a entrega da governança digital à lógica autoritária da Anatel, uma agência de perfil técnico e centralizador, sob influência de lobbies corporativos e sem qualquer tradição de participação social real. Projetos como o PL 2630 (em sua versão desfigurada) e outras articulações legislativas visam deslocar as competências do CGI.br para a Anatel. E o mais grave: com o silêncio cúmplice da base governista, que evita qualquer enfrentamento direto no Congresso.

      Não se trata de um detalhe técnico. Trata-se de uma inflexão histórica. Mover o centro regulador para a Anatel é cravar uma faca no coração da governança plural da internet brasileira. É declarar que o Estado brasileiro não acredita mais em processos participativos. Que prefere negociar diretamente com as big techs, nos bastidores de Brasília, do que escutar o que a sociedade tem a dizer sobre seus próprios dados, suas redes, sua democracia.

      REDATA: a entrega de dados disfarçada de transparência

      O Plano REDATA, iniciativa proposta pelo ministro Fernando Haddad, prevê a centralização dos dados públicos em uma única infraestrutura digital controlada por big techs estrangeiras. Longe de representar um rompimento com a lógica colonial de dados, o plano prepara o terreno para a consolidação de um modelo em que o Brasil se torna apenas mais um entreposto de processamento para o capital informacional global. Ao concentrar dados sensíveis da população em servidores estrangeiros e avançar sem controle social efetivo, o REDATA transforma a promessa de modernização em um risco grave à soberania informacional do país.

      O próprio governo tem feito lobby aberto para atrair gigantes como Amazon, Google e Nvidia, oferecendo infraestrutura, energia barata e incentivos fiscais em troca da promessa de investimentos em data centers. Os valores são apresentados como grandiosos, quase épicos (dois trilhões de reais ao longo de dez anos). Mas o que se omite é o essencial: quem controlará os dados processados nesses centros? Para onde vão os fluxos de informação? Qual será a soberania real do Brasil nesse cenário?

      Não há qualquer menção no plano à necessidade de controle público, de transparência real, de participação da sociedade civil organizada ou da academia na governança dessa nova infraestrutura. Não há exigências para garantir que esses dados sirvam ao interesse nacional. E não há investimento consistente em empresas públicas como a Telebras, o Serpro ou a Dataprev. O Estado abre mão da sua inteligência estratégica, entrega a custódia do ouro do século XXI e ainda se orgulha disso.

      Enquanto Lula denuncia a falta de regulação das plataformas, o próprio governo constrói silenciosamente o arcabouço da submissão informacional definitiva. Isso não é soberania. Isso é capitulação. E não será com discursos inspirados que enfrentaremos o colapso simbólico de 2026. Será com rupturas estruturais e coragem política. Coisas que, até agora, o REDATA não oferece.

      FrenCyber, Bancada do Like e o medo da Big Tech

      A chamada Bancada do Like, formada por parlamentares que dependem diretamente do alcance digital para sobreviver politicamente, tornou-se um dos maiores entraves a qualquer tentativa real de regulação das plataformas. E essa bancada não está limitada à extrema direita, ela atravessa o espectro político, chegando inclusive a setores da base governista e da própria esquerda institucional.

      Criada com grande alarde, a Frente Parlamentar Mista da Cibersegurança e Defesa da Democracia, conhecida como FrenCyber, tinha potencial para ser uma trincheira estratégica contra os abusos das plataformas e uma instância de formulação de políticas públicas soberanas. Mas o que se viu foi exatamente o oposto. A FrenCyber se transformou num espaço de reprodução do discurso das big techs, onde representantes, sua maioria da extrema-direita, ecoam argumentos prontos das empresas para justificar a não regulação, o adiamento das pautas e o bloqueio de projetos minimamente ousados.

      Por medo de perder engajamento, por covardia tática ou por conveniência eleitoral, muitos parlamentares da base do governo evitam qualquer enfrentamento direto com as plataformas. O “algoritmo” virou um aliado instável, uma entidade intocável que não pode ser desafiada. As big techs, por sua vez, sabem disso. Elas financiam campanhas, oferecem consultorias técnicas, promovem eventos e premiam aliados. Criaram um ambiente político onde qualquer crítica mais dura pode significar isolamento digital e assassinato simbólico.

      O resultado é uma paralisia deliberada. O governo hesita, a base tergiversa, e o campo progressista se acomoda. Nenhum projeto estrutural avança. Nenhuma regulação séria é discutida. A soberania informacional vira retórica vazia, incapaz de romper o pacto informal entre os interesses privados do Vale do Silício e a sobrevivência política de quem depende das plataformas para se manter relevante. Essa covardia estratégica precisa ser denunciada. O medo da Big Tech virou uma forma de governo.

      A resistência existe: o campo democrático da soberania informacional

      Em meio a um cenário marcado por assimetrias brutais de poder entre corporações globais e Estados enfraquecidos, são coletivos, redes, fóruns e articulações populares que vêm tensionando o debate institucional, expondo os conflitos ocultos e propondo caminhos alternativos. Enquanto a covardia toma conta de parte do Congresso e a retórica substitui o enfrentamento real às big techs, o campo democrático se organiza e reage. Além do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que é um dos pilares dessa resistência com sua trajetória histórica em defesa da liberdade de expressão e da pluralidade de vozes, destacam-se também movimentos como o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o INCT em Disputa e Soberania Informacional (INCT DSI), o Coletivo Saravá, o BaixaCultura, o coletivo sucataquantica, o MetaReciclagem, o Núcleo de Tecnologia do MTST a , a Associação Software Livre.org, a CryptoRave, o Fórum da Cultura Digital Brasileira, o Festival CulturaDigital.Br, espaços autônomos de cultura hacker e Frente IA com Direitos Sociais, uma articulação nacional que reúne sindicatos, universidades públicas, entidades estudantis e movimentos sociais comprometidos com a proteção dos direitos sociais diante dos avanços tecnológicos. São grupos que, há décadas, denunciam a privatização do comum digital, o colonialismo de dados, o uso autoritário da tecnologia e a dependência informacional do Brasil em relação às plataformas controladas pelo capital estrangeiro. 

      Nesse mesmo campo de resistência, surge a Comissão Especial Inteligência Artificial com Base na Centralidade da Pessoa Humana, uma articulação inovadora composta por parlamentares de diversos espectros ideológicos, da extrema direita à esquerda, além de juristas, pesquisadores e movimentos populares. Apesar dessa pluralidade, são alguns parlamentares de esquerda que têm marcado território com uma atuação estratégica e qualificada, como Luizianne Lins (PT-CE), Orlando Silva (PCdoB-SP) e Reginaldo Lopes (PT-MG). Trata-se de uma proposta sólida, ancorada em experiências internacionais, mas moldada à realidade brasileira e, acima de tudo, articulada como resposta à submissão informacional em curso.

      Conclusão: entre a neutralidade impossível e a escolha política

      O Brasil já foi referência mundial em marcos progressistas como o Marco Civil da Internet. Pode voltar a ser. Mas, para isso, é preciso encarar com lucidez o desafio do nosso tempo: a inteligência artificial é hoje um dos principais vetores da disputa pelo futuro da democracia. E o futuro, ao contrário dos slogans corporativos, não está dado, está sendo escrito. Cabe a nós decidir com que linguagem, com quais ferramentas e ao lado de quem queremos assiná-lo.

      A regulação das plataformas é, hoje, a nova luta de classes. É nela que se desenha o conflito central do nosso tempo: de um lado, corporações que acumulam dados, capital e poder político como nunca antes na história do capitalismo; do outro, os povos, os trabalhadores, os coletivos e as vozes dissidentes que lutam para não serem reduzidos a produto, metadado ou linha de código. Disputar a regulação é disputar quem comanda a infraestrutura da linguagem, da memória e da imaginação. É enfrentar o controle sobre o que se pode ver, dizer, desejar e sonhar.

      Não se trata apenas de conter abusos ou proteger dados pessoais. Trata-se de recuperar a soberania informacional, cognitiva e política. Porque num mundo em que meia dúzia de plataformas definem o que é verdade, o que é visível e o que é possível, calar-se é consentir com a servidão digital.

      A luta é aqui. E é agora.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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