Eles já estão em guerra. E nós? A batalha de 2026 já está em curso
Enquanto a extrema-direita constrói milícias digitais com apoio do Vale do Silício, o campo democrático segue desarmado, fragmentado e iludido pela normalidade
Eles não estão preparando uma eleição — estão organizando uma guerra. Uma guerra contra a democracia, conduzida por algoritmos, narrativas de ódio e alianças com as maiores plataformas digitais do mundo. Enquanto a extrema-direita constrói milícias digitais com apoio do Vale do Silício, o campo democrático segue desarmado, fragmentado e iludido pela normalidade. Este artigo é um chamado à ação. Ou formamos trincheiras agora — ou entregaremos o país ao colapso.
O Seminário da Guerra - Na superfície, um evento sobre comunicação digital promovido por um partido político. Nos bastidores, uma simulação de guerra informacional, cuidadosamente desenhada para treinar e preparar uma nova geração de operadores políticos da extrema-direita. O seminário realizado pelo PL com apoio do Google e da Meta não foi um encontro institucional qualquer: foi a oficialização de uma aliança estratégica entre o bolsonarismo e as Big Techs, selando um pacto que antecipa os contornos da próxima batalha eleitoral — e, mais que isso, de uma tentativa de tomada do Estado brasileiro por vias algorítmicas, simbólicas e parlamentares.
Como alertou Sara Goes em seu artigo no Jornal GGN, o evento “não foi um seminário, foi uma simulação de guerra”. E ela tem razão. Tudo ali estava cuidadosamente estruturado para treinar quadros, rear instruções, apresentar armas e preparar o terreno da guerra narrativa que já começou. A extrema-direita brasileira, com apoio do vale do silício trumpista, está montando seu exército cognitivo, sua milícia digital com comando descentralizado, retórica unificada e alinhamento ideológico total. E ela fará isso com o poder dos algoritmos ao seu lado, com os fluxos de atenção, recomendação e amplificação organizados de forma a promover candidatos extremistas, desestabilizar instituições e destruir reputações.
O objetivo é claro: tomar o Estado brasileiro por dentro, elegendo um número expressivo de parlamentares extremistas, enfraquecendo o Supremo Tribunal Federal, atacando universidades, jornalistas e movimentos sociais, e desmontando os pilares democráticos sob o pretexto de “liberdade de expressão” e “combate ao sistema”. E tudo isso com apoio técnico, financeiro e logístico das maiores corporações de tecnologia do planeta, cuja lógica de funcionamento favorece exatamente a radicalização, o ódio e o colapso institucional como modelo de negócio.
Essa aliança não é nova, mas está mais madura, mais coordenada, mais ofensiva. Não se trata mais de fake news avulsas ou campanhas subterrâneas: trata-se agora de uma ofensiva declarada, com treinamento, inteligência e capacidade organizativa. É a guerra informacional elevada à sua forma institucionalizada — e naturalizada. A esquerda, o campo progressista e as instituições democráticas não podem se dar ao luxo de continuar reagindo com atraso. A guerra já começou — e ela se dá no território dos dados, dos afetos e das subjetividades.
A Nova Guerra – Clausewitz nas Redes - A máxima de Carl von Clausewitz — de que a guerra é a continuação da política por outros meios — nunca foi tão atual quanto agora. Mas os meios mudaram. Não se trata mais de tanques e fuzis. A guerra do século XXI é travada com memes, bots, vídeos virais, campanhas orquestradas de difamação, manipulação algorítmica e ataques psicológicos de saturação. O campo de batalha é o feed. O território é a atenção. As armas são narrativas cuidadosamente projetadas para desestabilizar o moral do inimigo antes mesmo que ele perceba que está em guerra.
O que a extrema-direita compreendeu — e o campo progressista ainda hesita em reconhecer — é que o controle da percepção pública antecede e condiciona o resultado político. Clausewitz chamava de Schwerpunkt o ponto decisivo de uma batalha, onde a força deve ser concentrada para desequilibrar o inimigo. Nas guerras atuais, esse ponto é a moral coletiva, a confiança da população nas instituições democráticas e a adesão às ideias de justiça, solidariedade e bem comum. Destruir esses pilares é o primeiro o para qualquer avanço autoritário.
O bolsonarismo — assim como o trumpismo e outras expressões da nova extrema-direita global — não está apenas disputando eleições. Está aplicando uma doutrina de guerra híbrida, onde as campanhas eleitorais são apenas fases de uma ofensiva permanente contra tudo que ainda resta de ordem democrática. E nessa doutrina, a guerra informacional tem prioridade estratégica: antes de tomar o poder, toma-se a imaginação social; antes de vencer nas urnas, vence-se no inconsciente coletivo.
Antoine Bousquet, ao estudar os regimes técnicos da guerra, afirma que vivemos hoje sob um modelo caótico e distribuído, em que os conflitos não têm mais fronteiras claras, nem linhas de comando centralizadas. É a guerra do enxame, da fragmentação coordenada, do ataque permanente de todos os lados. Não há uma linha de frente: há milhares de pontos de tensão, mobilizados em tempo real por redes que simulam espontaneidade, mas operam com precisão militar. É assim que agem as milícias digitais da extrema-direita: uma guerra descentralizada com centralidade ideológica absoluta.
A esquerda precisa entender que não há mais tempo para ingenuidade institucionalista. A guerra está em curso — e quem não se arma será cognitivamente vencido sem perceber. Não se trata de replicar a lógica autoritária do inimigo, mas de reconhecer o terreno em que estamos lutando. E o terreno, agora, é informacional.
A Milícia Digital – A Doutrina do Caos - O que está sendo erguido pela extrema-direita brasileira não é apenas uma máquina eleitoral. É uma infraestrutura paramilitar de guerra informacional, operando sob uma lógica caótica, distribuída e devastadoramente eficiente. Uma verdadeira milícia digital — descentralizada, mas unificada por um projeto ideológico de dominação simbólica e tomada institucional. É o enxame em movimento, como descreveria Arquilla e Ronfeldt, promovendo desordem estratégica enquanto finge espontaneidade democrática.
Essa milícia opera em múltiplas frentes: dissemina fake news, ataca reputações, coordena linchamentos digitais, sabota políticas públicas, cria factóides, instrumentaliza a religião, falsifica pesquisas e promove deepfakes afetivos que viralizam o ódio e a desconfiança. É uma guerra permanente de baixa intensidade, com momentos de pico cuidadosamente orquestrados — e sempre mirando os mesmos alvos: o STF, a imprensa livre, os artistas, as universidades, os educadores, os movimentos populares e os representantes progressistas do parlamento.
Ela é sustentada por uma base ideológica orgânica — o anti-intelectualismo, o autoritarismo emocional, o nacionalismo de fachada —, mas também por uma arquitetura tecnológica altamente funcional, que inclui redes de influenciadores, canais de desinformação, grupos fechados de comando, robôs articuladores de tendência e algoritmos cúmplices. Essa estrutura age como um corpo militar de novo tipo: sem quartéis, sem uniformes, mas com disciplina operacional, objetivos claros e um projeto de poder totalizante.
Aqui entra o papel das Big Techs. Elas não apenas permitem essa guerra — elas lucram com ela. O caos político, o ódio social e o colapso institucional são o combustível do modelo de negócios algorítmico. Como já vimos nos EUA, nas Filipinas, na Índia e no Brasil, essas empresas têm lado — e é o lado que mantém o povo fragmentado e o Estado fragilizado. Por isso, não basta enfrentar o bolsonarismo como fenômeno político: é preciso compreender que ele é a expressão local de uma lógica global de desestabilização tecnopolítica.
A milícia digital, nesse sentido, é o braço armado da tecnoideologia libertária, aplicada às democracias em declínio. E como toda milícia, ela cresce no vazio institucional, se infiltra nas brechas da legalidade, age com impunidade e opera onde o Estado democrático se mostra ausente ou desorientado. Enquanto a esquerda organiza plenárias e notas de repúdio, a extrema-direita treina seus operadores, afia suas ferramentas e estuda a linguagem do ódio com precisão matemática.
Ignorar isso é repetir 2018 e 2022 com resultados potencialmente mais graves. A democracia, sem trincheiras informacionais e sem inteligência coletiva, será apenas um protocolo — frágil, formal e à beira do colapso. É preciso compreender: não estamos diante de um fenômeno cultural ou comunicacional. Estamos em guerra.
O Campo Democrático e a Ilusão da Normalidade - Enquanto a extrema-direita se prepara como um exército irregular para a próxima fase da guerra, o campo democrático ainda age como se estivéssemos em tempos de normalidade institucional. Essa é talvez a mais perigosa das ilusões. A ideia de que basta disputar com boas propostas, subir no palanque, investir em redes sociais de maneira orgânica e acreditar na força do debate público é, hoje, uma armadilha estratégica. Não estamos em 2014. Nem mesmo em 2022. Estamos em 2026 — e o terreno já foi inteiramente redesenhado.
É preciso dizer com clareza: o campo progressista está atrasado, disperso e subarmado. Ainda se atua como se a disputa fosse racional, como se o adversário respeitasse as regras do jogo, como se a internet fosse apenas mais uma ferramenta de comunicação. Mas o adversário não está apenas jogando para ganhar eleições — está jogando para destruir o campo democrático como ideia, como imaginário, como horizonte. Não se trata apenas de vencer o PT ou um governo específico. Trata-se de interditar qualquer projeto de país que não se submeta ao ultraliberalismo autoritário anabolizado por dados.
O campo progressista continua confiando em estruturas partidárias enferrujadas, em comitês eleitorais que funcionam como feudos, em redes de mobilização que não dialogam com a linguagem da era digital, em uma institucionalidade que já está sendo corroída por dentro — seja pelo lawfare, pela paralisia jurídica ou pela cooptação tecnopolítica. A política democrática, nesse cenário, precisa ser reinventada como estratégia de resistência ativa.
Clausewitz falava da “fricção da guerra” — os elementos imprevisíveis, psicológicos e morais que definem o desenlace de um conflito. No campo progressista, essa fricção se transformou em inércia. E, como advertia Gramsci, quando o velho já morreu e o novo ainda não nasceu, é nesse intervalo que surgem os monstros. E eles já estão nas ruas, nas redes, nos gabinetes, nos tribunais e, sobretudo, nas mentes de milhões de brasileiros capturados pela lógica do ressentimento, da desinformação e da radicalização afetiva.
A boa notícia é que ainda há tempo — curto, mas real — para reverter esse quadro. Mas para isso, será preciso romper com a normalidade, abandonar a postura reativa e assumir, com coragem e lucidez, que estamos numa guerra de longa duração que exige trincheiras sólidas, inteligência estratégica e mobilização permanente. O primeiro o é parar de fingir que não estamos sendo atacados.
Formar Trincheiras – Estratégias Concretas de Defesa e Contra-Ataque - Se do lado da extrema-direita há uma milícia digital em expansão — armada com algoritmos, protegida por plataformas e treinada para destruir reputações e instituições —, do lado progressista é urgente organizar trincheiras sólidas de defesa e contra-ataque informacional. E não estamos falando de reação simbólica ou notas oficiais. Estamos falando de uma estratégia de guerra, no sentido mais técnico e político do termo: construir um campo de resistência coordenado, estruturado, popular e enraizado nos territórios reais e digitais.
Clausewitz ensinava que a defesa é a forma mais forte da guerra — desde que inteligente, moralmente sustentada e estrategicamente articulada. Sem isso, torna-se apenas imobilismo. O campo democrático precisa parar urgentemente de correr atrás da última fake news e começar a disputar a formação da percepção coletiva, que é onde se vence — ou se perde — uma guerra de longa duração.
Aqui estão, de forma objetiva, algumas estratégias que precisam ser ativadas imediatamente:
1. Audiências públicas em todo o país para tratar de soberania informacional, regulação das plataformas digitais, desinformação e responsabilidade das Big Techs. Essas audiências devem sair das salas do Congresso e ocupar escolas, praças, sindicatos, universidades, centros culturais, favelas e periferias.
2. Encontros presenciais regionais para articular redes democráticas de defesa informacional. A esquerda precisa voltar a se ver, se ouvir e se organizar presencialmente. A guerra digital só pode ser vencida com laços reais, vínculos afetivos e alianças concretas.
3. Criação de cursos de formação de base em comunicação estratégica, guerra informacional e cidadania digital, voltados para militantes, jovens lideranças e educadores populares. Ensinar a usar as plataformas com inteligência, a decodificar campanhas de desinformação e a disputar o território simbólico do cotidiano.
4. Ativação de debates e jornadas formativas em entidades sindicais, estudantis, religiosas e de base popular, com linguagem ível e foco em estratégias concretas de mobilização, defesa narrativa e reconstrução da confiança democrática.
5. Instalação de Centros de Inteligência Informacional estaduais e regionais — núcleos de análise, monitoramento, produção de conteúdo e apoio estratégico à resistência digital. Esses centros devem dialogar com universidades, coletivos, organizações populares e mandatos parlamentares.
6. Criação de redes de comunicação popular entre entidades, coletivos, escolas, movimentos sociais e mandatos, com produção colaborativa de conteúdo, difusão de linguagem contra-hegemônica e circulação horizontal de informação qualificada.
7. Programas massivos e contínuos de alfabetização midiática comunitária, integrando escolas públicas, ONGs, movimentos sociais, igrejas e coletivos culturais. A guerra da desinformação só será vencida com educação crítica, de base e continuada.
8. Ocupação sistemática das plataformas digitais com conteúdo antimonopolista, democrático e popular. Isso não significa virar refém do algoritmo, mas ocupar os espaços com inteligência estratégica, coordenação tática e linguagem do povo.
9. Criação de linhas de resistência coordenadas, que integrem mandatos parlamentares, universidades públicas, centros de pesquisa, coletivos e militância digital. É hora de agir como um bloco, com objetivos táticos claros e resposta imediata a ataques coordenados.
10. O Jornalismo Progressista Precisa Entrar na Guerra
Nenhuma trincheira estará completa sem a presença ativa, corajosa e estratégica de um jornalismo progressista e democrático disposto a comprar a briga — com tudo que ela implica. Não estamos falando apenas de reportagens técnicas ou editoriais bem-intencionados. Estamos falando de tomar posição clara no campo de batalha informacional que a extrema-direita, há muito tempo, já ocupa sem disfarces.
A imprensa democrática não pode continuar tratando a guerra de 2026 como mais uma cobertura eleitoral. Não é uma eleição: é uma operação de captura do Estado via algoritmos, mentira organizada e sabotagem da esfera pública. E diante disso, o jornalismo comprometido com a democracia tem uma tarefa histórica: desmascarar o inimigo, informar com profundidade, defender os fatos com coragem e disputar corações com humanidade.
É hora de sair do centro. O centro é a zona morta da política atual. A neutralidade diante de uma milícia digital que organiza o ódio, destrói reputações e flerta com o autoritarismo não é equilíbrio — é conivência. A imprensa progressista precisa se reconectar com os territórios, ouvir o povo, traduzir as complexidades, narrar com clareza, e, acima de tudo, tomar partido do pacto democrático ameaçado.
O jornalismo deve se tornar parte da frente ampla da trincheira cognitiva, alinhado com os movimentos populares, as universidades, os coletivos, os defensores dos direitos humanos. Precisa formar alianças, ecoar vozes invisibilizadas, denunciar com consistência e participar ativamente da reconstrução da confiança social no processo democrático.
Em tempos de guerra informacional, a imprensa não pode ser só um espelho: ela precisa ser uma tocha.
Conclusão – O Tempo da Guerra é Agora - O maior erro que o campo democrático pode cometer neste momento é continuar se comportando como se estivesse em tempos de paz. A guerra já está em curso. Ela não será declarada oficialmente, porque já foi iniciada informalmente. Ela não virá com tanques nas ruas, mas com fluxos invisíveis de dados, com algoritmos programados para manipular emoções, com ataques coordenados às instituições e com uma escalada de destruição moral e simbólica que desestabiliza a democracia por dentro, silenciosamente.
A extrema-direita está em marcha. Tem projeto, tem estrutura, tem armas, tem alianças internacionais e, sobretudo, tem um inimigo definido: o pacto democrático brasileiro. Do outro lado, há fragmentação, atraso estratégico e uma fé perigosa na institucionalidade como se ela, sozinha, fosse capaz de barrar a avalanche de barbárie que se organiza. Não será.
Se quisermos preservar qualquer possibilidade de futuro democrático, será preciso lutar agora. Não em 2026. Não depois do próximo ataque. Agora. Com trincheiras, com redes, com inteligência, com formação, com jornalismo engajado, com comunicação popular, com articulação real nos territórios e com coragem política para reconhecer o tamanho da encruzilhada que vivemos.
O tempo da guerra é agora. E, se não formos capazes de defendê-la, não haverá democracia para disputar em 2026.
Se quisermos defender o que resta de dignidade institucional e reconstruir a esperança, precisamos entender que a trincheira digital não é um apêndice da luta — ela é o novo campo de batalha.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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