Dino Miraglia, o advogado que enfrentou o esquema de poder e corrupção em Minas Gerais, está volta
É um homem amargo, descrente da política e incapaz de silenciar: conta em livro como obteve a Lista do Valério, perdida no gabinete de Joaquim Barbosa, no STF
Na segunda-feira, 12/04, entrevistei o advogado Dino Miraglia e foi como se revisitasse um período tenebroso da nossa história. Miraglia é o advogado que denunciou a chamada Lista do Valério, com o nome de políticos, empresários e agentes públicos que trocaram favores e dinheiro, na época em que Eduardo Azeredo era o governador de Minas Gerais e colocou o patrimônio público a serviço da máquina política, e também da ganância de capitalistas, inclusive estrangeiros da AES, que na época compraram um naco da empresa energia Cemig.
Na época, se dizia que a lista elaborada pelo publicitário Marcos Valério era falsa. O próprio operador do caixa 2 tucano chegou a dizer que a não era dele, já que o que circulava nos bastidores era uma cópia, e não o original, imprópria para a realização de perícia. Dino obteve a lista original e a entregou para o gabinete de Joaquim Barbosa, o xerife da vez, incensado pela mídia corporativa, “o menino pobre que mudou o Brasil”, palavras que Veja colocou em sua capa de 10 de outubro de 2012.
Dois meses antes, precisamente em 2 de agosto de 2012, Dino protocolou no STF uma representação com a Lista do Valério original. Ele tem o protocolo, com o carimbo do Supremo. Chegou a dar entrevista para contar o que tinha feito, mas nenhuma providência foi tomada. Se Joaquim Barbosa tivesse dado encaminhamento para a Lista, determinado que a Polícia Federal abrisse inquérito, por exemplo, a história do Brasil poderia ter sido outra.
Sim, porque a Lista do Valério confirma o que disse o então presidente Lula, em 2005, quando Roberto Jefferson usou a jornalista Renata Lo Prete para propagar uma farsa, a de que os deputados eram comprados com mensalidades pagas pelo governo. O que a Lista mostrou é que havia um caixa 2 operado por Marcos Valério, mais de quatro meses antes de iniciar o governo Lula. O que Lula disse na entrevista é exatamente isso: não havia mensalão, havia caixa 2 criado para saldar dívida de campanha. Era grave, mas era o costume da época, praticado por todos os partidos.
Jair Bolsonaro, filiado ao PP, por exemplo, está em outra lista, a de Furnas, esta elaborada por um diretor da estatal nomeado no governo de Fernando Henrique Cardoso, Dimas Toledo. Jair Bolsonaro está na lista, como destinatário de uma propina de valor equivalente ao que, na época, usou para comprar um dos muitos apartamentos que a família adquiriu depois que ele começou sua carreira política.
Ambas as listas foram ignoradas, mas, no caso da Lista de Furnas, esta serviu para diminuir a tensão política da época. Mas isso não impediu que os petistas, como José Genoíno e José Dirceu, fossem massacrados publicamente.
Nos bastidores, no entanto, o sistema de corrupção e poder que não tinha nenhuma relação com o PT pesou sua mão contra personagens que haviam acreditado no sistema de justiça e feito denúncias. O rosto visível desse esquema atendia pelo nome de Aécio Neves, que tinha governado Minas Gerais e era senador. Dino MIraglia era o advogado de um dos poucos jornalistas, naquele Estado, que denunciavam os desmandos do grupo que, de resto, voltou ao poder com Romeu Zema.
Marco Aurélio Carone é o seu nome. Sua publicação era o Novo Jornal, veículo regional de mídia independente. Na época em que Aécio Neves foi anunciado como pré-candidato do PSDB a presidente, no final de 2013, Carone foi preso, juntamente com o lobista Nílton Monteiro.
Sua prisão teve como base mais uma farsa, construída pelo promotor André de Pinho, um pau mandado dos poderosos em Minas Gerais. Dino Miraglia não chegou a ser preso, mas teve a casa invadida por policiais, numa operação registrada com estardalhaço pela afiliada da Globo em Belo Horizonte e outras TVs, rádios e jornais comprometidos com o projeto de poder que tinha Aécio como pré-candidato a presidente.
Miraglia perdeu clientes e o casamento, porque teve a reputação incinerada. Foi internado numa clínica psiquiátrica e tentou suicídio. Depois se recolheu em uma chácara e ou a viver apenas na companhia de cachorros. Seu cliente, Nilton Monteiro, que entregou a Lista de Furnas e contou como operava para os políticos de direita, também perdeu tudo.
Na última vez em que falei pessoalmente com ele, vivia de favor na casa do ex-sogro e tinha câncer e próstata, doença que o levou à morte, alguns anos depois, denunciado injustamente como “o maior estelionatário do Brasil”, conforme reportagens publicadas na revista Veja e no jornal O Estado de Minas.
Ele foi acusado de inventar documentos, como a Lista de Furnas, e a história provou que todos os documentos que apresentou, inclusive contratos de mútuo que herdou de um ex-patrão, Sérgio Naya, eram tão verdadeiros quanto uma cédula de 100 reais emitida pela Casa da Moeda.
Carone adoeceu na cadeia, o jornalista que trabalhava com ele, Geraldo Elísio, e que teve a casa invadida pela Polícia Civil, publicou um livro em que relata o infortúnio do grupo, “Diálogo com ratos - Censura e perseguição no jornalismo digital". Elísio, que tem mais de 80 anos de idade, já não trabalha mais em redação, e o Novo Jornal acabou, sem que Carone tenha conseguido sequer recuperar os arquivos das matérias apreendidos pela Polícia Civil. Um deles noticia que uma internação de Aécio Neves que teria ocorrido para que o então governador se recuperasse de overdose.
Aécio Neves é deputado federal. O promotor que operava para ele, André de Pinho, está preso, condenado pelo assassinato da esposa. Marcos Valério não dá entrevista, mas já não cumpre pena na cadeia. Ele gravou horas de um depoimento bombástico para o delegado Rodrigo Bossi de Pinho, base de uma acordo de delação premiada que nunca veio a público.
Bossi de Pinho, que não tinha nenhum parentesco com o promotor do esquema, morreu de câncer aos 51 anos de idade, no dia 3 de janeiro de 2020.
Miraglia tem se recuperado. No próximo dia 21, ele participa de um encontro de advogados criminalistas em Fortaleza, ocasião em que deve lançar o livro “Na dúvida, pau no advogado”, título parecido com um best seller que escreveu antes de ser abatido pelo esquema de poder e corrupção em Minas Gerais, “Na dúvida, pau no réu”, em que desmonta um erro da Justiça.
Miraglia, no entanto, um homem amargo, como claro na entrevista que deu ao Brasil 247. Ele não acredita em nenhum político, de esquerda ou de direita. Acha que são todos malfeitores. Disse a ele que não concordo. Se concordasse, deixaria de ser jornalista. Mas entendo Dino.
Ele comeu o pão que o diabo amassou, defendendo pessoas que foram vítimas ou enfrentavam o sistema. No entanto, não recebeu solidariedade de nenhum político, mesmo daqueles que, indiretamente, se beneficiaram de suas ações corajosas, como a que levou à condenação do assassino de uma modelo apresentado como transportadora de malas de dinheiro .
A vida é assim. Dura. Mas a vale a pena, porque é como uma montanha russa, que volta ao ponto em que partiu. Não é para fracos.
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A entrevista de Dino Miraglia começa a 3 horas e um 1 minuto do vídeo abaixo:
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