Dilma, Joaquín e "A América Invertida"
A visão eurocêntrica dos mapas tem implicações na percepção do mundo
"Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos" - Nelson Rodrigues
A internet dá voz aos idiotas e, como disse Nelson Rodrigues, “eles são muitos”.
Vamos à historinha da semana.
Recebi muitas mensagens de WhatsApp zombando da ex-presidente Dilma, atual presidente do Banco de Desenvolvimento dos BRICS, pois ela apresentou em um evento na China uma versão do mapa-múndi no qual o Brasil aparece no centro e o Sul está voltado para cima.
Acredito que 99% das críticas à ex-presidente têm uma causa: misoginia, mas não vou escrever sobre isso hoje, mas sobre o Mapa-Múndi.
Assim que recebo a mensagem, faço uma pergunta aos zombeteiros: “você conhece a obra de Joaquín Torres García?”, a resposta é, invariavelmente, negativa. Eles não se dão ao trabalho de “dar um Google”. Assumem a ignorância, sem constrangimento.
Antes de falar sobre a obra de Joaquín Torres Garcia, vamos refletir sobre os “porquês” do mapa, lançado pelo IBGE.
A justificativa é a busca de promover uma nova perspectiva geopolítica, destacando o Sul Global.
Achei genial um “Mapa Mundi” que coloca o Brasil no centro do mundo, mas reconheço que a iniciativa gerou debates e críticas sem reflexão.
Fato é que um Mapa-Múndi com o Brasil no centro, e não a Europa, procura ressaltar a posição atual de liderança do nosso Brasil em importantes fóruns internacionais, como o BRICS e o Mercosul, além da realização da COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas); penso que o mapa pode estimular a reflexão sobre o papel do Brasil no cenário mundial atual e a necessidade de seguirmos buscando um protagonismo brasileiro ainda maior.
Contudo, a idiotia e o viralatismo impedem que os brejeiros pensem livremente e seguem apaixonados e aprisionados pela ideia de que a Europa é o centro do mundo, cultural e espacialmente, e que seria uma espécie de “pecado capital” não seguirmos utilizando mapas que, além de distorcer a realidade territorial, posicionam a Europa no centro, o que dá a impressão de que ela, e todo o Norte, é maior do que os outros continentes (o Mapa-Múndi distorce a percepção espacial); o mapa eurocêntrico coloca EUA, Canadá e a Europa, no topo do mapa, o que é uma tradição na cartografia. Contudo, trata-se também de convenção colonial.
A visão eurocêntrica dos mapas tem implicações na percepção do mundo, contribuindo para a ideia de que a Europa é o centro da civilização e para a subordinação de outros continentes, como África e América do Sul (é método de dominação, que precisamos vencer).
Portanto, gostei muito da iniciativa do IBGE, que destaca a importância do Brasil como um ator relevante na cena internacional, o mapa também busca estimular a reflexão sobre o papel do Brasil no mundo e a necessidade de um protagonismo maior e faz com que observemos que o BRICS e o Sul Global são o mundo novo e a Europa, a OTAN e o império estadunidense, retrato da decadência.
Agora vamos falar do uruguaio Joaquín Torres García.
Joaquín Torres García é considerado o artista sul-americano com maior contato com a vanguarda artística do século XX, viveu e conviveu com a diversidade cultural; ele é o autor do desenho "América Invertida", obra criada em 1943, que representa a América do Sul no topo do Mapa-Múndi, invertendo a orientação tradicional dos mapas.
É uma crítica à visão eurocêntrica da cartografia e à valorização excessiva do hemisfério norte, defendendo a autonomia e a identidade cultural latino-americana.
A "América Invertida" é um desenho a caneta e tinta que representa a América do Sul no topo, como dito acima, invertendo a orientação tradicional dos mapas, onde o Norte é geralmente colocado no topo; essa inversão é uma crítica à forma como a cartografia, influenciada pelas potências europeias, que tradicionalmente colocam o Norte no topo dos mapas, como um símbolo de poder e centralidade.
Não é difícil pensar, mas é mais fácil não refletir e criticar.
e.t. toda solidariedade à Janja, que, como a minha Celinha, não se coloca como “cidadã de segunda classe” e não tem medo de se colocar de forma propositiva e colaborativa.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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