Desigualdade Social e a Eleição Presidencial de 2026
Uma possível volta da direita à presidência do Brasil representará o aprofundamento de um modelo de país excludente, centrado no privilégio de poucos
As pré-candidaturas da direita e da extrema direita à Presidência da República em 2026, evidenciadas nas mais recentes pesquisas de intenção de voto, refletem a possibilidade de aprofundamento do projeto político excludente e autoritário que caracterizou o governo Bolsonaro. Longe de representar uma ruptura com os tempos sombrios de 2019 a 2022, essas candidaturas sinalizam a continuidade de um horizonte preocupante para a democracia brasileira.
Um país marcado por profunda desigualdade social, responsável pela hipossuficiência da maioria da população em aspectos essenciais de bem estar, à margem de possibilidades concretas de melhoria de vida, constitui um dos maiores entraves para a formação de sujeitos sustentavelmente conscientes da realidade histórica, social, econômica, política e ético cultural da sociedade onde vivem.
Segundo editorial da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) assinado por seu presidente Renato Janine Ribeiro, em 26/04/2024: “Convivemos há mais de 500 anos com uma desigualdade social gritante. O nosso projeto de País, de nação, foi pensado para que houvesse uma subordinação, um recorte de quem manda e quem obedece definido por cor, raça e pobreza. É por isso que temos que dizer: a nossa desigualdade social foi e é uma desigualdade planejada, oriunda de inúmeros projetos políticos que comandaram o Brasil”. O panorama dessas pré-candidaturas representa a continuidade do projeto dominante de país há mais de cinco séculos.
Imaginem o Brasil ser governado por populistas, inteiramente alinhados ao velho projeto de país e de nação que se valem da desigualdade historicamente planejada, como: Tarcísio de Freitas (Republicanos); Michele Bolsonaro (PL); Eduardo Bolsonaro (PL); Ronaldo Caiado (União); Ratinho Jr. (PSD); Eduardo Leite (PSD) e Romeu Zema (Novo). Trata-se de um grupo que se ancora na mesma base ideológica e prática de poder autoritária, discriminatória e elitista.
Não por acaso, figuras desse grupo já começam a se mover na trincheira eleitoral, buscando se apresentar sob novas roupagens. É o caso de Eduardo Bolsonaro, que recentemente anunciou sua pré-candidatura à Presidência. Em vídeo nas redes sociais, adotou um discurso supostamente conciliador, fazendo um tour, a partir de seu limitado entendimento, pela história política brasileira. O gesto foi interpretado por críticos como uma tentativa de desviar a atenção diante da abertura de inquérito pelo Procurador-Geral da República para investigar sua atuação nos Estados Unidos.
De acordo com pesquisa da Atlas & Bloomberg realizada entre os dias 19 e 23/05/2025, Tarcísio de Freitas e Michele Bolsonaro aparecem como os principais adversários de Lula.
Já a pesquisa Genial Quaest divulgada nesta semana (4/06/25) aponta que o índice de aprovação do governo federal ou de 41% para 40%, chegando ao pior resultado neste terceiro mandato de Lula. Segundo Felipe Nunes, diretor da Quaest, o governo federal falha na comunicação de seus programas.
Entre os achados da pesquisa, ficou evidenciado o desconhecimento por expressiva parte da população dos programas oferecidos pelo governo. Essa situação tem sido reverberada pela mídia desde os primeiros meses do governo. A troca de Ministro na Secretaria de Comunicação Social (SECOM) não surtiu muitas mudanças. Segundo o professor Fabio Vasconcelos: “as mudanças no ecossistema de comunicação tornaram o trabalho dos governos muito mais complexo e difícil. O dinamismo das redes, além da proliferação de fontes e opiniões, cria uma situação de mais ruídos, com sobreposição de mediadores, o que limita muitas vezes o o a informações e enquadramentos que o governo gostaria que a população tivesse o (políticas públicas)” (Disponível em: https://brasil247.informativomineiro.com/opiniao-e-analise/artigos/como-e-por-que-a-comunicacao-e-um-problema-para-o-governo-lula-3).
Cumpre salientar que a procura de informações sobre assuntos referentes à política está mudando. Conforme a pesquisa da Genial Quaest, a busca pelas redes sociais aumentou em comparação com o período inicial do governo Lula, perfazendo 36%. No entanto, a procura de informações pela TV ainda continua maior, 37%. Somente 10% dos pesquisados se informam por meio de portais de notícias e 5% responderam não buscar informações sobre política. Nas eleições de 2026, a manipulação por meio da inteligência artificial, aliada ao poder das Big Techs e ao uso massivo de fake news, promete criar um impacto mais adverso ao campo progressista, inclusive entre os eleitores bem informados.
Em um ambiente comunicacional multifacetado, marcado por disputas narrativas intensas e pela proliferação de desinformação, torna-se cada vez mais desafiador para o governo adotar um estilo de comunicação mais veloz e ágil junto à população. Não basta contar apenas com a força retórica de seu principal porta-voz, o presidente Lula, é fundamental que toda a equipe ministerial se comprometa com uma presença ativa e estratégica. Os ministros precisam sair do isolamento dos gabinetes e ocupar os espaços onde o povo está, seja nas redes sociais, no rádio ou na televisão, traduzindo as ações do governo em linguagem compreensível, direta e conectada com o dia-a-dia da população.
Outro desgaste que motivou a queda na aprovação do governo, foi a recente crise do INSS, além das crises anteriores do pix e da taxação das blusinhas. A exploração dessa matéria pelas redes da oposição, alimentadas pelas distorções dos fatos contribuíram para os resultados ruins mostrados na pesquisa e a possibilidade de abertura de uma janela via terceira via para governar o país.
No ranking das pré-candidaturas à presidência, a segunda parte da pesquisa da Genial Quaest, publicada em 05/06/2025, apresenta um cenário próximo à sondagem realizada pela Atlas & Bloomberg. Segundo Felipe Nunes, é a primeira vez que a rejeição ao governo Lula se transforma em rejeição eleitoral. Sua futura candidatura ao quarto mandato aparece em empate técnico com Tarcísio de Freitas, Ratinho Junior e Eduardo Leite. Com relação a Michelle Bolsonaro, a pontuação da candidata é bem próxima da pontuação do presidente Lula, porém não configura empate técnico com ele. Entretanto, em todas as hipóteses, o presidente aparece em vantagem.
Esse desempenho expressivo de nomes da direita e da extrema direita pode ser explicado, em parte, pela estratégia discursiva adotada por esses pré-candidatos. Eles têm buscado se afastar do estilo grotesco de Jair Bolsonaro, adotando posturas mais moderadas, embora mantenham práticas políticas alinhadas ao liberalismo econômico.
Michelle Bolsonaro, por exemplo, vem se destacando por construir uma imagem pública cuidadosamente elaborada. Apresenta-se como uma mulher de fé, moderna e ível, cuja trajetória de superação pessoal é usada para inspirar e cativar o eleitorado conservador, especialmente o evangélico.
Esse jogo bem bolado atrai não só a faixa evangélica mais madura, mas principalmente o segmento mais jovem que se apega ao neopentecostalismo como uma chance de reproduzir, em suas vidas, a trajetória vitoriosa de Michele ex primeira dama do Brasil.
Há uma identificação de muitos brasileiros e brasileiras de outros espectros religiosos e sociais com esse tipo de imagem que confirma a crescente liderança de Michele nas pesquisas de intenção de voto.
Todavia, se o recente anúncio da candidatura de Eduardo Bolsonaro vingar, talvez ela se coloque para o Senado, atendendo à estratégia de aumento de senadores de partidos da direita e extrema direita nessa casa. Com maioria no senado, eles fortalecem a possibilidade de impichar Ministros do Supremo Tribunal Federal, como Alexandre de Moraes, entre outros que vem impedindo a escalada de inconstitucionalidades cometidas por políticos desses partidos.
Durante o plano de tomada de poder por meio de golpe de Estado pelo marido, Michele aparece como uma das figuras mais entusiastas nas tratativas que antecederam a tentativa, segundo os dados da delação premiada do ex ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mario Cid. Por trás da aparente personalidade serena, ela revela uma inclinação autoritária e antidemocrática. Pela mistura entre religião e política a ex primeira dama insere habilmente a pauta conservadora ao seu discurso. Com essa estratégia ela capta maior adesão do eleitorado conservador.
Ao ser questionada sobre seu possível envolvimento em escândalos, como a apropriação indevida das joias sauditas destinadas ao Estado brasileiro e o esquema das rachadinhas durante os mandatos parlamentares de seu marido, ela afirma que ambos são inocentes em relação a esses dois episódios.
Já Tarcísio de Freitas, embora tecnocrático no estilo, mantém fidelidade ideológica e subserviente ao bolsonarismo. Sua visibilidade como governador de São Paulo acrescida do notório apoio da mídia corporativa e da Faria Lima, tornam Tarcísio o nome mais viável da terceira via, e o mais empoderado para derrotar Lula nas urnas.
Mediante a velha tática de que as istrações dos serviços públicos representam vultosas despesas para os cofres do Estado, a sanha privatista e vantajosa para poucos e prejudicial para a maioria, vai construindo as razões perfeitas para a venda dos bens estatais a preços irrisórios, inclusive os que historicamente sempre deram lucros, como é o caso da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) privatizada por decisão de Tarcísio de Freitas.
Esse mesmo projeto de governo que busca enfraquecer o papel do Estado na garantia de direitos sociais também se revela em sua face mais autoritária no campo da segurança pública. As constantes denúncias da população paulista sobre a brutalidade policial dirigida às camadas pobres, pretas e periféricas expõem a permanência e o aprofundamento de uma lógica repressiva. A polícia de São Paulo figura entre as que mais matam no país, e casos como o recente episódio em que agentes simularam rituais da Ku Klux Klan e fizeram saudações nazistas em São José do Rio Preto são sinais preocupantes da radicalização dessa força. Trata-se, portanto, de um governo que combina liberalismo econômico com autoritarismo social, em uma equação que tende a ampliar desigualdades e a naturalizar a violência institucional.
A mídia hegemônica associada às demandas do capital financeiro, tem atuado reiteradamente para enfraquecer o atual governo, ao mesmo tempo em que promove, com viés civilizado, candidaturas alinhadas à direita. Omite, por exemplo, as falhas recorrentes da istração de Tarcísio, como os impactos negativos oriundos da privatização da Sabesp realizada há quase um ano e o escorchante aumento das tarifas sem a contrapartida de melhoria do serviço oferecido. Na mesma direção, não divulga as críticas dos usuários sobre algumas linhas da Companhia de Trens Metropolitanos, cujas as istrações foram concedidas a empresas privadas e que aram a apresentar seguidamente falhas como atrasos, quebras, colisão e descarrilamentos.
Esse esforço de blindagem midiática contribui para a construção de uma boa imagem pública dos candidatos da direita e da extrema direita, que professam um populismo singularmente enganador. Embora adotem um discurso de empatia às demandas da população, suas práticas seguem fielmente a liturgia do ultraliberalismo econômico e do autoritarismo institucional. Defendem, entre outras pautas, a ampliação das privatizações, a politização das forças policiais com posturas autoritárias, o corte de investimentos em políticas públicas, a desregulamentação de direitos trabalhistas e previdenciários, o incentivo à uberização do trabalho, a precarização do ensino público, o conservadorismo moral, além de um negacionismo climático alinhado aos interesses do agronegócio e da exploração destrutiva dos recursos naturais. Por meio de um modelo de governo de aparência moderna e eficaz, a direita e extrema direita aprofunda as disparidades na qualidade de vida entre os possuidores e os despossuídos.
Nessa materialidade nada promissora, mediada por um país com absoluta desigualdade social planejada, o povo poderá cair novamente na armadilha de uma escolha absurdamente equivocada, repetindo o desastre de 2018.
Uma possível volta da direita à presidência do Brasil representará não apenas uma ruptura com projetos populares e inclusivos, mas o aprofundamento de um modelo de país excludente, centrado no privilégio de poucos. A desigualdade historicamente planejada, continuará sendo o esteio de um sistema que perpetua a obediência da maioria à vontade de uma minoria dominante.
Enquanto o povo brasileiro continuar oscilando entre projetos de governo progressistas e projetos liberais, dificilmente a realidade política e social do país alcançará uma sustentabilidade verdadeiramente progressista. Da mesma forma e de modo concomitante, enquanto a composição do poder legislativo não pender para representações comprometidas com políticas públicas voltadas à justiça social e aos legítimos interesses dos 40% mais pobres da população, será quase impossível romper com a desigualdade social historicamente planejada.
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