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      Chris Hedges

      Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

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      Campos de concentração dos Estados Unidos

      Uma vez que um regime começa a enviar pessoas para campos de concentração, ele cria um sistema de detenção que ignora o devido processo legal

      Exportação dos EUA - U.S. Export – arte de Mr. Fish (Foto: Mr. Fish)

      Originalmente publicado no Substack do autor em 16 de abril de 2025

      Nossos campos de concentração offshore, por enquanto, estão em El Salvador e na Baía de Guantánamo, em Cuba. Mas não espere que permaneçam lá. Uma vez normalizados, não apenas para imigrantes e residentes deportados dos EUA, mas também para cidadãos norte-americanos, eles migrarão para o território nacional. É um salto muito curto entre nossas prisões — já repletas de abusos e maus-tratos — e os campos de concentração, onde os detidos são isolados do mundo exterior — “desaparecidos” —, privados de representação legal e amontoados em celas fétidas e superlotadas.

      Prisioneiros nos campos em El Salvador são forçados a dormir no chão ou em confinamento solitário no escuro. Muitos sofrem de tuberculose, infecções fúngicas, sarna, desnutrição severa e doenças digestivas crônicas. Os internos, incluindo mais de 3.000 crianças, recebem comida rançosa. Sofrem espancamentos. São torturados, inclusive por afogamento simulado (waterboarding) ou sendo forçados nus dentro de tonéis de água gelada, segundo a Human Rights Watch. Em 2023, o Departamento de Estado descreveu o encarceramento como “ameaça à vida”, e isso foi antes de o governo salvadorenho declarar um “estado de exceção” em março de 2022. A situação foi muito “agravada”, observa o Departamento de Estado, pela “adição de 72.000 detidos sob o estado de exceção.” Cerca de 375 pessoas morreram nos campos desde que o estado de exceção foi estabelecido, como parte da “guerra contra gangues” do presidente salvadorenho Nayib Bukele, de acordo com o grupo local de direitos humanos Socorro Jurídico Humanitario.Esses campos — o “Centro de Confinamento do Terrorismo” (Centro de Confinamiento del Terrorismo), conhecido como CECOT, para onde deportados dos EUA estão sendo enviados, e que abriga cerca de 40.000 pessoas — são o modelo, o presságio do que nos aguarda.

      O metalúrgico e sindicalista Kilmar Ábrego García, que foi sequestrado em frente ao seu filho de cinco anos em 12 de março de 2025, foi acusado de ser membro de gangue e enviado a El Salvador. A Suprema Corte concordou com a juíza distrital Paula Xinis, que considerou que a deportação de García foi um “ato ilegal.” Autoridades do governo Trump atribuíram a deportação de García a um “erro istrativo.” Xinis ordenou que o governo Trump “facilitasse” seu retorno. Mas isso não significa que ele vá voltar.

      “Espero que você não esteja sugerindo que eu contrabandeie um terrorista para os Estados Unidos,” disse Bukele à imprensa durante uma reunião na Casa Branca com Trump. “Como posso contrabandeá-lo — como posso devolvê-lo aos Estados Unidos? Tipo, eu o contrabandeio para os Estados Unidos? Bem, é claro que não vou fazer isso... a pergunta é absurda.”

      Esse é o futuro. Uma vez que um segmento da população é demonizado — incluindo cidadãos norte-americanos que Trump rotula de “criminosos domésticos” —, uma vez que são despojados de sua humanidade, uma vez que incorporam o mal e são vistos como ameaça existencial, o resultado final é que esses “contaminantes” humanos são removidos da sociedade. Culpa ou inocência, ao menos perante a lei, torna-se irrelevante. A cidadania não oferece proteção.

      “O primeiro o essencial no caminho da dominação total é matar a pessoa jurídica no homem,” escreve Hannah Arendt em As Origens do Totalitarismo. “Isso foi feito, por um lado, ao colocar certas categorias de pessoas fora da proteção da lei e forçando, ao mesmo tempo, por meio do instrumento da desnacionalização, o mundo não totalitário a reconhecer a ilegalidade; foi feito, por outro lado, ao colocar o campo de concentração fora do sistema penal normal e ao selecionar os internos fora do procedimento judicial normal em que um crime definido acarreta uma pena previsível.”

      Aqueles que constroem campos de concentração constroem sociedades de medo. Eles emitem advertências incessantes sobre perigos mortais, seja de imigrantes, muçulmanos, traidores, criminosos ou terroristas. O medo se espalha lentamente, como um gás sulfuroso, até infectar todas as interações sociais e induzir à paralisia. Leva tempo. Nos primeiros anos do Terceiro Reich, os nazistas operavam dez campos com cerca de 10.000 prisioneiros. Mas, uma vez que conseguiram esmagar todos os centros de poder concorrentes — sindicatos, partidos políticos, imprensa independente, universidades e as igrejas católica e protestante — o sistema de campos de concentração explodiu. Em 1939, quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, os nazistas istravam mais de 100 campos com cerca de um milhão de prisioneiros. Os campos de extermínio vieram depois.

      Aqueles que criam esses campos lhes dão ampla publicidade. Eles são projetados para intimidar. Sua brutalidade é seu principal atrativo. Dachau, o primeiro campo de concentração nazista, não foi, como escreve Richard Evans em A Chegada do Terceiro Reich, “uma solução improvisada para um problema inesperado de superlotação nas cadeias, mas uma medida planejada há muito tempo que os nazistas haviam concebido praticamente desde o início. Foi amplamente divulgado e noticiado na imprensa local, regional e nacional, e serviu como um alerta severo para qualquer um que cogitasse resistir ao regime nazista.”

      Agentes do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE), usando roupas civis e circulando em carros não identificados, sequestram residentes legais como Mahmoud Khalil. Esses sequestros replicam os que testemunhei nas ruas de Santiago, Chile, sob a ditadura de Augusto Pinochet, ou em San Salvador, capital de El Salvador, durante a ditadura militar.

      O ICE está rapidamente se transformando em nossa versão doméstica da Gestapo ou do Comissariado do Povo para Assuntos Internos (NKVD). Supervisiona 200 centros de detenção. É uma poderosa agência de vigilância interna que acumulou dados sobre a maioria dos americanos, segundo um relatório do Center of Privacy & Technology da Universidade Georgetown.“Ao ar os registros digitais de governos estaduais e locais e comprar bancos de dados com bilhões de pontos de dados de empresas privadas, o ICE criou uma infraestrutura de vigilância que lhe permite montar dossiês detalhados sobre praticamente qualquer pessoa, aparentemente a qualquer momento,” diz o relatório. “Em seus esforços para prender e deportar, o ICE — sem qualquer supervisão judicial, legislativa ou pública — ou conjuntos de dados contendo informações pessoais sobre a vasta maioria das pessoas que vivem nos EUA, cujos registros podem acabar nas mãos da imigração simplesmente porque solicitaram carteiras de motorista; dirigem nas estradas; ou se inscrevem nas concessionárias locais para obter o a aquecimento, água e eletricidade.”

      Os sequestrados, incluindo a cidadã turca e doutoranda da Universidade Tufts, Rümeysa Öztürk, são acusados de comportamentos vagos como “envolvimento em atividades de apoio ao Hamas.” Mas isso é um ardil, acusações tão reais quanto os crimes inventados sob o stalinismo, onde pessoas eram acusadas de pertencer à antiga ordem — kulaks ou membros da pequena burguesia — ou eram condenadas por tramar a derrubada do regime como trotskistas, titistas, agentes do capitalismo ou sabotadores, conhecidos como “destruidores”. Uma vez que uma categoria de pessoas é visada, os crimes pelos quais são acusadas, se é que são acusadas, quase sempre são fabricações.

      Prisioneiros de campos de concentração são cortados do mundo exterior. São desaparecidos. Apagados. São tratados como se nunca tivessem existido. Quase todos os esforços para obter informações sobre eles são recebidos com silêncio. Mesmo sua morte, caso morram sob custódia, torna-se anônima, como se nunca tivessem nascido.

      Aqueles que istram campos de concentração, como escreve Hannah Arendt, são pessoas sem curiosidade ou capacidade mental para formar opiniões. Eles não sabem mais o que significa estar convencido de algo. Simplesmente obedecem, condicionados a agir como “animais pervertidos.” São intoxicados pelo poder divino de transformar seres humanos em rebanhos trêmulos de ovelhas.

      O objetivo de qualquer sistema de campos de concentração é destruir todas as características individuais, moldar as pessoas em massas temerosas, dóceis e obedientes. Os primeiros campos são campos de treinamento para guardas prisionais e agentes do ICE. Eles dominam técnicas brutais projetadas para infantilizar os prisioneiros — uma infantilização que logo distorce a sociedade como um todo.

      Os 250 supostos membros de gangues venezuelanos enviados para El Salvador em desafio a uma ordem judicial federal foram privados do devido processo legal. Foram sumariamente empurrados para aviões, que ignoraram a ordem da juíza para retornar, e ao chegarem, foram despidos, espancados e tiveram as cabeças raspadas. Cabeças raspadas são uma característica de todos os campos de concentração. A desculpa é piolho. Mas, é claro, trata-se de despersonalização e é por isso que eles estão uniformizados e identificados por números.

      O autocrata se deleita abertamente com a crueldade. “Estou ansioso para ver os terroristas doentes receberem sentenças de 20 anos de prisão pelo que estão fazendo com Elon Musk e a Tesla,” escreveu Trump no Truth Social. “Talvez possam cumpri-las nas prisões de El Salvador, que se tornaram tão famosas recentemente por suas condições encantadoras!”

      Aqueles que constroem campos de concentração têm orgulho deles. Mostram-nos à imprensa — ou pelo menos aos bajuladores que posam como imprensa. A secretária de Segurança Interna Kristi Noem, que postou um vídeo de si mesma visitando a prisão salvadorenha, usou os prisioneiros sem camisa e com cabeças raspadas como adereços cênicos para suas ameaças contra imigrantes. Se o fascismo faz algo bem, é espetáculo.

      Primeiro, eles vêm pelos imigrantes. Depois, vêm pelos ativistas com vistos de estudante estrangeiro em universidades. Em seguida, vêm pelos portadores de green card. Depois vêm pelos cidadãos dos EUA que lutam contra o genocídio israelense ou contra o fascismo em ascensão. Depois, vêm por você. Não porque você quebrou a lei. Mas porque a monstruosa máquina do terror precisa de um fornecimento constante de vítimas para se sustentar.

      Regimes totalitários sobrevivem eternamente lutando contra ameaças mortais e existenciais. Uma vez que uma ameaça é erradicada, eles inventam outra. Zombam do Estado de Direito. Juízes, até que sejam expurgados, podem denunciar essa ilegalidade, mas não têm mecanismos para impor suas decisões. O Departamento de Justiça, entregue à bajuladora de Trump Pam Bondi, é, como em todas as autocracias, projetado para bloquear a aplicação da lei, não para facilitá-la. Não há mais impedimentos legais que nos protejam. Sabemos para onde isso está indo. Já vimos isso antes. E não é bom.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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