Algumas breves observações preliminares sobre o acordo entre os EUA e o Reino Unido
É a típica situação do “bode na sala”. Você tira (parcialmente) o bode e tudo parece melhorar
Por Marcelo Zero - O recente acordo comercial assinado entre os EUA e a Reino Unido trouxe algum alívio a empresários à beira da histeria, mas, numa análise preliminar, ele não representa nenhum avanço, em relação à situação que existia antes do desastre chamado Trump.
Isso vale especialmente para o Reino Unido da Grã-Bretanha. Para esse país, parece haver claros retrocessos, em relação ao ado recente.
É a típica situação do “bode na sala”. Você tira (parcialmente) o bode e tudo parece melhorar.
Em primeiro lugar, as tarifas gerais de 10% permanecem para a grande maioria dos bens. Antes de Trump, lembre-se, as tarifas médias dos EUA eram de 2,5%.
Em relação à indústria automotiva, Trump reduziu as tarifas de 27,5 % (que ele mesmo havia imposto) para 10%, mas impôs uma quota de 100 mil carros/ano. Ora, em 2024, a Grã-Bretanha exportou 101 mil carros com tarifa de 2,5%. Isso significa, portanto, não apenas um retrocesso, mas também um limite a priori para um eventual crescimento dessas exportações.
Claro que os fabricantes de veículos britânicos como Aston Martin, Jaguar, Land Rover etc. comemoram. Comemoraram porque essa “grande concessão” os salva de uma crise muito grave. Mas eles sabem bem que, no cômputo geral, houve retrocesso, em relação ao “status quo ante”. A Grã-Bretanha exporta 28% de seus carros para os EUA, faturando um total de 9 bilhões de libras esterlinas por ano. É um mercado vital, especialmente para marcas caras.
Na realidade, a principal exportação da Grã-Bretanha para os EUA é a de carros. Essa indústria foi “salva” pelo mesmo governo que a ameaçou de grave crise.
Em relação ao aço e ao alumínio, as tarifas foram “reduzidas” de 25% para 0 %. Entretanto, esse é um intercâmbio bilateral relativamente pequeno, no cômputo geral. A Grã-Bretanha exportou apenas cerca 400 milhões de libras esterlinas em aço e ferro para os EUA, em 2024. Nesse ponto, o Reino Unido da Grã-Bretanha exporta bem mais para a Irlanda, a Bélgica e a Holanda.
É preciso observar que, em 2024, o Reino Unido importou £ 57,1 bilhões em mercadorias dos Estados Unidos (9,7% de todas as suas importações de mercadorias) e exportou £ 59,3 bilhões em mercadorias (16,2% de todas as suas exportações de mercadorias).
Máquinas e equipamentos de transporte continuaram a ser os principais bens comercializados com os Estados Unidos em 2024, com £ 20,1 bilhões em importações e £ 29,1 bilhões em exportações. Mas, nesse campo, houve apenas uma negociação efetiva: a relativa aos carros, que apenas conteve danos.
Outro setor importante no intercâmbio de bens entre os EUA e a Grã-Bretanha é o de produtos químicos e fármacos. A Grã-Bretanha exportou cerca de 11 bilhões de libras esterlinas em produtos químicos para os EUA, em 2024. Entretanto, não foram anunciadas liberações, nesse setor, até agora.
Em relação aos produtos agropecuários, os EUA exigiram abertura do mercado britânico para “compensar” o fato de não terem praticamente destruído a indústria automobilística britânica.
Pela primeira vez, os agricultores estadunidenses poderão exportar carnes para o Reino Unido (frango e carne bovina). Segundo as autoridades do Reino Unido, os britânicos não vão abrir mão de suas regras sanitárias sobre esses produtos, mas há dúvidas sobre isso. Trump também exigiu que o Reino Unido abrisse seu mercado de etanol para os EUA. Segundo as autoridades estadunidenses, as exportações agrícolas dos EUA para o Reino Unido deverão aumentar em cerca de US$ 6 bilhões.
De qualquer forma, essa exigência dos EUA demonstra que Trump está preocupado com os possíveis danos que sua guerra tarifária trará para a agricultura dos EUA, um setor muito sensível, que já foi afetado no primeiro governo Trump.
No entanto, o maior e mais dinâmico setor de intercâmbio entre os EUA e o Reino Unido parece ter ficado intocado, até agora. Trata-se do setor de serviços.
Em 2024, o Reino Unido importou £ 61,2 bilhões em serviços dos Estados Unidos, um aumento de £ 4,9 bilhões (8,7%) em relação a 2023. As importações dos Estados Unidos representaram 19,5% de todas as importações britânicas de serviços.
O Reino Unido, por sua vez, exportou £ 137 bilhões em serviços para os Estados Unidos em 2024, um aumento de £ 10,5 bilhões (8,3%), em relação a 2023.
Por conseguinte, esse intercâmbio de serviços ascendeu a quase 200 bilhões de libras esterlinas ( 198, 2 bilhões para sermos exatos), um pouco menos que o dobro do comércio de bens.
Contudo, nesse imenso segmento também não há, até agora, nenhuma novidade, muito embora os britânicos estejam apavorados com a possibilidade de imposição de tarifas sobre seus filmes e demais produções audiovisuais.
Enfim, espremendo o “acordo histórico” não sai nada.
Como bem resumiu o Financial Times , vetusta instituição britânica: “o escopo do acordo EUA-Reino Unido é limitado, muitos detalhes precisam ser resolvidos e o resultado final ainda deixa a Grã-Bretanha enfrentando uma relação comercial mais difícil com os Estados Unidos do que antes de Trump introduzir tarifas globais abrangentes no mês ado.”
Já o líder conservador Kemi Badenoch foi mais direto: disse que o país saiu "prejudicado".
Todo o mundo está. E as “negociações” com Trump apenas poderão conter, parcialmente, em alguns casos, os danos já causados.
Veremos o que Trump conseguirá arrancar da China. Parece que os chineses não estão lá muito incomodados com o bode.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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