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      Sara York

      Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior é bacharel em Jornalismo, licenciada em Letras Inglês, Pedagogia e Letras vernáculas. Especialista em educação, gênero e sexualidade, primeiro trabalho acadêmico sobre as cotas trans realizado no mestrado e doutoranda em Educação (UERJ) com bolsa CAPES, além de pai, avó. Reconhecida como a primeira trans a ancorar no jornalismo brasileiro pela TVBrasil247.

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      A linguagem como arma: livro de Gustavo Coutinho desvenda a captura dos Direitos Humanos pela agenda antigênero

      Até quando nossos corpos seguirão servindo de vitrine para o espetáculo da empatia performativa?

      Em um cenário político e social onde a disputa por narrativas se acirra e conceitos fundamentais são constantemente ressignificados, a chegada do livro "Direitos Humanos Antigênero", de Gustavo Miranda Coutinho, acompanhado de uma introdução instigante de Bruna Irineu, surge como uma ferramenta analítica crucial. A obra se debruça sobre um dos fenômenos mais complexos e perigosos dos tempos recentes: a apropriação da gramática dos Direitos Humanos por movimentos conservadores e neoconservadores para, paradoxalmente, fundamentar e legitimar políticas e discursos que visam cercear direitos, em especial aqueles relacionados à diversidade sexual e de gênero.

      Conheci Gustavo Miranda Coutinho pessoalmente nos corredores da Harvard Law University, em Boston. Ambos estávamos ali apresentando trabalhos e, em meio à formalidade do ambiente acadêmico internacional, ele me cumprimentou de um modo particularmente carinhoso que imediatamente rompeu qualquer barreira: "Minha mãe gosta muito de você, Sara York". Essa conexão humana genuína, surgida de forma tão inesperada e afetuosa, oferece um contraponto interessante à rigorosa análise que ele apresenta em seu livro, lembrando que por trás dos complexos debates jurídicos e políticos que ele disseca, existem vidas, afetos e realidades profundamente impactadas. É com essa perspectiva que apresento a seguir a essencial contribuição de sua obra.

      Com a precisão cirúrgica que se espera de uma investigação profunda sobre as engrenagens do poder e do discurso, Coutinho nos convida a um percurso didático para compreender a racionalidade jurídica que sustenta a chamada "agenda antigênero".

      O Capítulo I do livro estabelece as bases dessa compreensão. Sob o título "Os (neo)conservadorismos, sua racionalidade jurídica e a apropriação semântica dos Direitos Humanos", o autor nos ajuda a caracterizar o campo conservador contemporâneo, distinguindo suas nuances e estratégias. Mais importante, ele disseca a conformação de uma racionalidade jurídica conservadora brasileira que, alimentada por pressupostos nem sempre explícitos, constrói argumentos que ecoam no legislativo, judiciário e no debate público. O ponto alto aqui é a análise da captura e reinterpretação semântica dos direitos humanos. Coutinho expõe como termos e princípios tradicionalmente associados à defesa das minorias e da dignidade humana são esvaziados de seu sentido original e reconfigurados para servir a pautas restritivas, muitas vezes sob o pretexto da defesa da família, da moral ou da "ordem natural". É uma operação discursiva sofisticada que confunde e ganha adeptos ao se revestir de uma aura de legitimidade humanitária.

      Na sequência, o Capítulo II oferece um "breve panorama jurídico-político dos direitos LGBTI+ no Brasil: entre negociações e resistências". Este é o campo de batalha onde a racionalidade antigênero se manifesta com maior virulência. Coutinho traça a linha do tempo das disputas, desde os debates na Constituinte de 1987–88, onde a defesa da "família tradicional" já se apresentava como um contraponto, ando pelos embates cruciais sobre o casamento igualitário e a criminalização da LGBTI+fobia. O autor dedica atenção especial às políticas para diversidade na educação - e a histeria em torno do pejorativamente apelidado "kit gay" - um episódio que se tornou emblemático na mobilização antigênero. A análise culmina na caracterização da contemporânea cruzada antitrans e na forma como a política LGBTI+ foi sistematicamente atacada no período pós-golpe de 2016 e, de maneira mais explícita e agressiva, no governo Bolsonaro. Um quadro sintético dos argumentos jurídico-políticos conservadores sobre direitos LGBTI+ arremata o capítulo, fornecendo um roteiro claro das objeções e táticas utilizadas.

      Finalmente, o Capítulo III ancora a discussão em dados concretos, apresentando a utilização da gramática dos direitos humanos na construção de políticas anti-LGBTI+ do governo Bolsonaro. Este capítulo é vital, pois sai do plano teórico para demonstrar, com evidências, como a racionalidade jurídica e a apropriação semântica dissecadas nos capítulos anteriores foram instrumentalizadas na prática governamental. É a prova de que a agenda antigênero não se limitou a discursos periféricos, mas informou e moldou políticas de Estado, utilizando, pasmem, a linguagem que deveria proteger os direitos para, em última instância, fragilizá-los. O subtítulo "A RACIONALIDADE JURÍDICA DO GOVERNO BOLSONARO NAS POLÍTICAS LGBTI+" resume o foco investigativo deste segmento, revelando a lógica por trás das ações (ou omissões) governamentais em relação a essa população.

      O livro "Direitos Humanos Antigênero" de Gustavo Miranda Coutinho é uma leitura indispensável para quem deseja compreender a fundo as táticas discursivas e jurídicas por trás dos ataques à diversidade e aos direitos no Brasil contemporâneo. Ele nos força a olhar criticamente para a linguagem que utilizamos e para a forma como conceitos nobres, como os Direitos Humanos, podem ser perigosamente cooptados. É uma obra que, com didatismo e profundidade, equipa o leitor para identificar e confrontar a racionalidade da agenda antigênero, expondo como a apropriação semântica se torna uma arma poderosa na guerra cultural em curso. É um alerta e um guia para os desafios que ainda temos pela frente na defesa intransigente dos direitos de todas e todos.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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