A crise do setor aéreo: perspectivas e desafios
Projetado um leque complexo e abrangente atinente ao novo amanhã do setor aéreo, todas as nossas considerações não são pessimistas nem otimistas, mas realistas
I. O Diploma Normativo 11.101/05 e seus 20 anos de vigência
1. Reanálise Legal da Recuperação Empresarial
Ao festejar o seu vigésimo ano de vigência a Lei nº 11.101/05, reformada parcialmente pelo Diploma nº 14.112/2020, ambos tiveram o condão de alterar substancialmente o Decreto Lei nº 7.661/45, observado um longo intervalo de tempo, praticamente de 60 anos, o que representou uma transformação revolucionária e absorção tanto pela doutrina, mas também pela jurisprudência, de aspectos principiológicos inerentes à crise da empresa, sua preservação e a remodelagem com a participação dos credores na formulação do plano e sua respectiva apresentação.
Essencialmente, o primeiro balanço analítico representa um avanço sistemático numa composição pendular de forças na qual existe uma renúncia de credores e igualmente uma redução do quadro produtivo da empresa recuperanda para que todas as circunstâncias conjugadas propiciem alguma ferramenta descortinando a salvaguarda do negócio jurídico empresarial.
A economia global, de tempos em tempos, apresenta oscilações, e uma lei regulando a recuperação de empresa, e não poderia ser diferente, tem sua contemporaneidade desafiada, ando por aperfeiçoamento, aprimoramento e ajustes, notadamente se considerarmos os impactos acarretados pela pandemia e a forte implementação do comércio eletrônico, mudando rotina, hábitos e costumes, mas, por outro lado, ponto negativo, a integral submissão aos comandos do fisco no sentido de uma renegociação da dívida tributária, como pano de fundo, para ensejar as condições da ação de recuperação e a verificação em assembleia de todas as propostas e votação pelos representantes de classe, o que estabelece inclusive poderes do juízo e até a modificação do plano em termos de suavizar o seu enraizamento e contemplar um profundo nexo de causa e efeito com os interesses dos credores, não apenas no recebimento dos seus créditos, das garantias inerentes, das travas bancárias, porém, de adjetivar a própria finalidade legal da preservação da atividade econômica e do núcleo empresarial.
A fenomenologia, da globalização desencadeou mudanças substanciais em toda atividade produtiva econômica e empresarial, o que fora registrado com absoluta propriedade por Philippe Peyramaure e Pierre Sardet quando fazem referência à empresa em dificuldade, procurando reavivar a flexibilização do modelo francês desde o primitivo sinal de crise e as várias alternativas, inclusive de conciliação para que o procedimento, com o menor cunho litigioso, possa reorganizar a empresa e direcionar as forças para um resultado financeiro capaz de restaurar a sua presença no mercado.
Questão preambular indispensável no direito comparado é o preliminar diagnóstico da crise econômica da empresa para que o juízo possa avaliar juntamente com os credores e o judicial, viabilizando o plano de salvaguarda e as medidas essenciais para a conservação do patrimônio, congelamento do ivo, cessão dos ativos imobilizados, tudo, por assim dizer, para atender o respectivo equilíbrio financeiro, inclusive envolvendo parcial ou total alienação ou arrendamento do negócio empresarial.
Forte nesse sentido, os mencionados doutrinadores analisam as soluções de recuperação, mas também colocam com evidência a tipologia da liquidação judicial; muito ao contrário de se eternizar a recuperação, prioriza-se o custo benefício adequado às condições do mercado.
Uma recuperação plural empresarial deve envolver multidisciplina e a percepção da istração do negócio, das finanças, da contabilidade e dos fluxos de caixa para efeito de não contaminar o grau de endividamento e recuperar paulatinamente a marcha dos negócios na consecução da liquidez, do balanço e das demonstrações financeiras.
Destacou com nítida visão da realidade do mercado Gustavo H. B. Franco que a conjuntura inflacionaria brasileira atrelada a desvalorização cambial tem sido um forte atributo que deve ser sopesado na problemática do aumento do endividamento e nas características da cadeia produtiva, isso porque, a partir do plano real até o início do século XXI, muitas políticas públicas advieram e o Banco Central, por mais que tentasse, não conseguiu adequar uma taxa de juros ao perfil do desenvolvimento e crescimentos econômicos previstos na Constituição Federal de 1988.
1.1. Os Entraves Econômicos da Reorganização Societária.
Os aplausos generalizados advindos da implantação do modelo 11.101/05 se mantiveram em alta enquanto a economia conseguia crescimento do produto interno bruto, não oscilação da taxa do câmbio, redução das taxas inflacionárias, facilitação do o ao crédito, concorrência e competitividade como base do ambiente dos negócios, porém, cada vez mais, os mercados internacionais foram se fechando e as políticas tarifárias desgastando e mostrando a fragilidade de uma economia em sobressaltos, o que explica, consequentemente, o substancial aumento dos pedidos de recuperação judicial ao longo do ano de 2024.
Conforme a doutrina de Gesner Oliveira e João Grandino Rodas, os afluxos de capital, a constituição de fundos de investimento, oligopólio e monopólio de mercado foram cada vez mais sendo alvo de atenção das agências reguladoras com aporte do capital estrangeiro, o que impacta direta e decisivamente no direito e na economia mediante um fluxo causal, de acordo com os estudos das escolas de Harvard e Chicago.
O que se pretende ressignificar é a existência de uma concentração e de um processo de verticalização, muito embora o estado brasileiro desse sinais inequívocos de privatizações e parcerias público-privada, não podemos nos esquecer que a maioria das empresas nacionais se apresentam na qualidade de pequena e micro e sob a forma de EIRELI, tanto assim que o empresário individual ou a ser titulado como sociedade unipessoal no desempenho de sua atividade econômica, nada obstante, o quadro maior está atrelado a sociedades limitadas, uma gama vinculada a sociedades anônimas fechadas e outra a companhias
abertas, as quais atingem no mercado de capitais contemporaneamente um total de 400, rateando abertura de capitais e aumentando progressivamente o fechamento ou transformação da sociedade anônima em limitada.
II. A Disrupção do Setor Aéreo Brasileiro
2. O Modelo das Companhias Aéreas Nacionais
Ao longo de pelo menos meio século enfrentamos vicissitudes e graves problemas na malha aérea, o que emblematicamente diagnostica pouca concorrência e quase um duopólio sob a supervisão do órgão regulador, ANAC, porém, o mais importante a ser ressaltado diz respeito à inevitabilidade de serem buscados meios alternativos na legislação estrangeira.
Os ativos imobilizados e mobilizados das empresas aéreas dizem respeito ao fluxo de caixa, contemplando o número de aeronaves em arrendamento mercantil e a vasta extensão territorial, provocando diversos atrasos de voo, cancelamento, perda da conexão e um bom número de processos por responsabilidade extrapatrimonial das companhias aéreas brasileiras.
Entretanto, desde a crise da empresa Panair, ando por tantas outras, cominando com a radiografia do modelo da Varig, controlada pela própria fundação, não conseguimos preencher, com êxito, em termos qualitativos e quantitativos, os espaços, importando também no custo do querosene aéreo, dos tributos diretos e indiretos, no ivo tributário e trabalhista, além, é claro, da enorme dificuldade da rolagem da dívida em moeda estrangeira.
Não temos ainda o modelo para soerguimento de empresas análogo àquela da UNCITRAL, peculiar às falências, daí porque, o que se constata na atualidade, é que as companhias, para continuarem voando, ou deverão se submeter a uma legislação estrangeira, mais propriamente norte-americana, ou farão à exaustão uma tentativa às avessas de recuperação extrajudicial.
Compreende-se, portanto, a completa desarmonia do modelo pautado pela Lei nº 11.101/05, seguida de sua reforma pelo Diploma nº 14.112/2020, na medida em que estando a dever os valores relacionados aos arrendamentos mercantis das aeronaves, isso pode significar a paralisação e consequente apreensão em qualquer parte em que forem localizadas, o que evidencia que a capa protetiva local apenas tem influência, no mais das vezes, dentro do âmbito do território nacional, não protegendo os es das companhias aéreas e seus dirigentes de medidas judiciais adotadas em foro estrangeiro, pelos arrendantes das aeronaves, ainda que o Diploma nº 14.112/2020 viesse a privilegiar, na categoria superpreferencial os credores que mantivessem a prestação de serviços e continuassem, sem solução de continuidade, seus negócios com as empresas em crise, em particular aquelas do setor aéreo.
2.1 O Financiamento DIP
O modelo de financiamento de empresas em recuperação, ainda incipiente, (DIP) no modelo norte-americano, é bastante robusto e, antes mesmo de ser acenada a vinculação ao capítulo 11 do diploma estrangeiro, as negociações mostram avançado estágio com a liberação de recursos, valores substanciais para determinar uma rotina, propiciar a compreensão de credores e reduzir minimamente qualquer possibilidade de inadimplemento dos valores relacionados ao insumo principal, qual seja, o arrendamento das aeronaves.
A propósito, Guilherme Setoguti Julio Pereira realça que na insolvência norte-americana, ao mencionar que o modelo brasileiro fora inspirado no chapter 11, ali não há uma força coercitiva para a unanimidade dos credores, o que não acontece em razão da garantia quando não houver liberação mediante consenso do credor.
De olhos na legislação brasileira, além da burocracia e de todos os impedimentos que ressoam nas empresas sem reorganização societária, com entrada em vigor do Diploma nº 14.112/2020 fixou-se o entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça que o primeiro o para homologação do plano de recuperação judicial se refere à apresentação das certidões de regularidade fiscal, conforme REsp nº 1.955.325-PE, Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, julgamento em 12/03/2024, e também, na mesma dicção, o Ag. Int, no Ag, no REsp nº 2.485.270-SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgamento de 11/11/2024.
A par da elevada dívida fiscal e tributária das companhias aéreas, a exigir preliminarmente um acordo com as fazendas públicas para renegociação da dívida na consecução de obtenção de certidão negativa ou positiva com os efeitos negativos, a imprescindibilidade da apresentação tornou-se uníssona pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, a teor do Ag, Int. no REsp nº 2.110.513-SP, Relator Ministro Moura Ribeiro da terceira turma.
2.2 A Necessidade do Socorro ao Modelo Americano de Insolvência
Realçamos, inúmeras vezes, que as empresas aéreas que se colocaram diante do diploma normativo local raramente obtiveram sucesso, basta olharmos, ao longo dos anos, quantas foram à insolvência ou tiveram sua falência decretada, isso tudo causa repercussão, não apenas em termos de regulação, nas expectativa do consumidor, mas também atraídas pela abertura de capital na bolsa de valores, o que impacta na oscilação dos seus preços e nos entraves provenientes da obtenção de fundos estrangeiros para o custeio do alto grau de endividamento das companhias aéreas nacionais.
Faz sentido destacar que as empresas Gol e Azul relacionadas junto à B3, atravessando séria crise financeira, também encontraram no modelo de fusão uma fórmula eficiente de reorganização societária de parceria e, acima de tudo, de encontrar um custo benefício para enfrentar as diversas adversidades dos transportes aéreos, principalmente quando estamos tratando da descarbonização, quando países mais avançados até restringem voos inferiores a 1.000 km, facilitando meios alternativos, o que, infelizmente, ainda não é possível em termos de mobilidade em solo nacional.
A robustez do modelo estrangeiro em termos legislativo solapa a funcionalidade do diploma local em razão de regras flexíveis, do abrandamento de preceitos de renegociação e divida tributária e até naquilo que se costumou chamar do poder impositivo do juízo para aprovação do plano, uma vez que as empresas aéreas, nada mais, nada menos, apresentam características de concessionárias de serviço público, essencial, não podendo apresentar solução de continuidade, e o que se percebe mais claramente é que a concorrência também não teve sucesso, porquanto as empresas de baixo custo, quando acenaram a participação em solo nacional, ou retiraram a ideia, mas também permaneceram pouco tempo em razão da complexidade da malha aérea e do sistema internacional como um todo.
Países de primeiro mundo, inexoravelmente, também apresentam problemas das companhias aéreas, não só no modelo europeu, mas também no americano, e isso implica em solução societária, foi o que aconteceu com a empresa TAM quando, mediante acordo de acionistas, juntou-se à empresa chilena LAN Chile para criar a atual Latam, responsável pelos voos em território nacional e no exterior.
É copiosa a doutrina de Erasmo Valladão e Marcelo Vieira Von Adamek no sentido de que a estratégia de longo prazo aconselha o aumento na participação da empresa no mercado com aquisição de concorrente e sua consequente eliminação.
Reflexo disso, o foco no crescimento de curto prazo visa o aumento dos lucros em benefício dos acionistas mediante investimentos na própria empresa, na modernização e renovação do maquinário, equipamentos e na própria qualidade da melhoria dos seus produtos.
2.3 Os Aspectos Negativos dos Balanços das Companhias Aéreas
Mediante auditorias independentes, as companhias aéreas fechadas ou abertas apresentam suas demonstrações financeiras, porém, o traço de transparência, de compliance e governança corporativa ainda deixam e muito a desejar.
Porém, um fator relevante, altamente positivo, se constitui no aprisionamento de fatores relacionados à salvaguarda das empresas aéreas no território estrangeiro com impacto no combate à fraude e na possibilidade inclusive do desligamento do devedor ou dos es societários, os quais conduziram a empresa sem o necessário comportamento, experimentando prejuízos e demonstrando algum tipo de desvio de finalidade.
Ao abordar o tema André Ferreira faz referência ao art. 47 da lei de recuperação, tornando oportuno o conhecimento no sentido de que a viabilização e a superação do estado de crise econômico-financeira do devedor devem conduzir à manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e os interesses dos credores.
O modelo norte-americano inspirado no capítulo 11, sobretudo, confere especial atenção à preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, colocando tudo sob a ótica do mercado para avaliação do valor da empresa em funcionamento (going concern value), o qual deve ser, de sobejo, superior à expectativa do grau de insolvência e da própria liquidação (liquidation value).
O modelo brasileiro do stay period, pelo prazo de 180 dias, não alberga a principal finalidade do endividamento das companhias aéreas, principalmente se formos considerar que somente poderão manter acesa a chama da reorganização mantendo-se em funcionamento e para tanto é fundamental que o número de aeronaves em serviço não seja encapsulado pela retomada do arrendante diante da mora do arrendatário, o que por certo perante a legislação americana conflui o interesse da classe de credores, mas também prioriza a preservação do negócio mediante elevado investimento com alocação de recursos, inclusive participação de sócios minoritários ou a diluição do capital votante na companhia.
Entrosada essa realidade com a percepção proveniente do excesso de processualismo do modelo vigente a partir da Lei nº 11.101/05 e da alteração produzida por aquele Diploma nº 14.112/2020 /2020 não podemos nos dissociar que além de correr o sério risco de constrições e considerações a respeito da extraconcursalidade, para tanto não podem as empresas aéreas experimentar elevado grau de turbulência mediante desesperança e alta probabilidade da solução do negócio, não se trata de mera cogitação, mas sim daquilo que vivenciamos com a grande maioria de companhias aéreas nacionais, as quais faliram, chegaram ao estado de insolvência pela absoluta falta de maleabilidade do modelo normativo em vigor, como exemplo citamos Varig, Transbrasil, Vasp etc, o que demonstra, diante de tal conjectura, que o legislador deve despertar para salvaguardas mais eficientes, não apenas para as empresas aéreas, mas todas aquelas que se colocam na qualidade de concessionárias ou permissionárias do serviço público, uma vez que a delegação exige atributos e mais de 50 milhões de brasileiros anualmente fazem uso das companhias nacionais para seus deslocamentos por meio de voos domésticos ou internacionais.
III. A Radiografia da Crise das Empresas Aéreas
3. Os Desafios Econômicos e Regulatórios na Recuperação do Setor Aéreo
Fatores conjunturais, inclusive provocados pela mão invisível do Estado, trouxeram consequências desfavoráveis ao resultado lucrativo das empresas, inclusive se considerarmos o congelamento do preço das tarifas aéreas, o que provocou longa discussão nos tribunais e depois o ganho de causa pelas companhas prejudicadas, mas tardiamente, porque boa parte já se encontrava diante do estado de insolvência, o que se revelou, portanto, inócuo.
O principal conceito do serviço aéreo está voltado para a sua qualidade, setor de mercado e concorrência, oferecendo preço reputado justo para atrelar um serviço correspondente às expectativas do consumidor, uma vez que o órgão regulador, no caso a ANAC, tem se preocupado, ao longo dos anos, a disciplinar mais e melhor, e como temos um imenso território, de milhares de aeroportos e voos de conexão, além dos insumos elevados, a começar pelo querosene, o essencial seria uma redução tributária e uma implementação de medidas que atraíssem empresas estrangeiras para atender as demandas dos consumidores, principalmente em localidades que foram descontinuadas, não apenas por companhias que vieram a falir, mas também por outras que ainda continuam a prestar seus serviços junto ao mercado brasileiro.
E para tanto a repaginação vista a olhos nus mediante o modelo do ano de 2005 e reformado por economicidade a partir da legislação de 2020, independentemente de qualquer outra variante, ainda temos perspectivas pouco animadoras para se evitar solução de continuidade e apagões aéreos que resultam em prejuízos de grande monta, pois, se o correio aéreo nacional e internacional apresenta desenvoltura e resultados financeiros auspiciosos, não poderia ser diferente com o mapeamento e a presença mais constante da própria Embraer, como hoje acontece ao fornecer aeronaves para a companhia Azul que também atravessa problemas e se coloca praticamente em fusão com a outra aérea Gol para formação de um duopólio a exigir atenção e aprovação do órgão regulador, no caso, o próprio CADE.
Recentemente vimos que a empresa aérea Voe, a qual teve um malsinado acidente aéreo com o falecimento de ageiros e tripulantes, controlada pela TAM, veio a receber suspensão pelo órgão regulador de suas atividades, uma vez que não detinha modelo de segurança e atendimento do quadro retrato desenhado, o que ainda mais repercute na malha aérea para que aquelas empresas em atividade possam absorver todos os consumidores direta e indiretamente afetados.
A propósito, Carlos Henrique Abrão e Paulo Toledo, na visualização do Diploma nº 11.101/05 comentado, tecem considerações bastante expressivas a respeito dos requisitos do requerimento da recuperação contemplando o balanço patrimonial, a demonstração de resultados acumulados, a demonstração do resultado desde o último exercício social, incluindo relatório gerencial e fluxo de caixa e sua projeção, a teor do art. 51 da lei do rito.
Na intrincada percepção recuperacional da crise e de sua perspectiva abalando as empresas aéreas, realçamos a essencialidade do previsto no art. 50 Diploma nº 11.101/05, todos mecanismos absolutamente coerentes com a flexibilização e transposição para superação do estado de crise.
A propósito o art. 50, inciso II indica como meio de recuperação judicial a cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, cessão de cotas ou ações.
Com isso queremos salientar que antes mesmo da submissão ao capítulo 11 da lei americana as companhias nacionais propam uma reengenharia societária para aumentar a possibilidade de obtenção de financiamento, redução das despesas, ocupação paulatina da malha aérea, com renegociação junto aos credores e ainda a possibilidade ou a plausibilidade da emissão de valores mobiliários, a exemplo de debentures de diversas classes como forma de financiamento da atividade econômica da empresa aérea.
É bem verdade, cabe o registro, que o art. 50 nos seu, § 2º preserva créditos em moeda estrangeria, cuja variação cambial será conservada como parâmetro e indexação da correspondente obrigação, ficando submetido ao juízo do credor titular aprovar previsão contemplada de forma diversa no plano de recuperação judicial.
O debate se torna relevante por meio do diálogo das fontes, uma vez que a oscilação cambial no Brasil, nada obstante o Plano Real, tem se verificado de forma constante, tanto assim que mais recentemente o dólar ou a valer o correspondente a R$ 6,00 na conversão, o que impacta fortemente nas dívidas das empresas aéreas, haja vista que os contratos de arrendamento mercantil, via de regra, são feitos em moeda estrangeira (dólar).
Não se perca de vista, ainda, que a solidez e a solvabilidade da empresa aérea vão perdendo terreno ao longo dos anos com ingresso de elevado ivo trabalhista, o que repercute inclusive na contratação de mão-de-obra especializada e na equipe da tripulação a ser escalada em rodízio para compor o insumo essencial de segurança do próprio voo.
O Tribunal de Justiça de São Paulo a respeito do crédito trabalhista na recuperação judicial definiu que a habilitação de crédito pode ser feita mediante certidão expedida pela Justiça do Trabalho classificando a sua atualização até a data do pedido, conforme art. 9, inciso II da Lei nº 11.101/05, computando-se a verba honorária a título de crédito extraconcursal, conforme agravo de instrumento nº 2008319-49.2025.8.26.0000, Relator Natan Zelinschi, decisão datada de 19/03/2025.
3.1 As perspectivas do Setor Aéreo Diante da Conjuntura Normativa
Frisamos, com bastante realce, que o modelo previsto na Lei nº 11.101/05 e a respectiva reforma do Diploma nº 14.112/2020 somente agudizou a crise, porquanto a exigência de certidão negativa fiscal e a imprescindibilidade da renegociação, tudo isso desserve ao próprio espirito de permanência e preservação das empresas aéreas, as quais se submetem ao código brasileiro do ar, vetusto diploma normativo e também à peculiaridade do órgão regulador, no caso, a ANAC, para efeito das condições de segurança da aeronave, prestação de serviços, atendimento aos consumidores e problemas frequentes de atraso de voo, perda de conexão, além, é claro, de intempéries e outros classificados como fortuitos internos.
Não é sem razão, portanto, que apesar do elevado grau de contributo, na comemoração dos 20 anos de vigência da Lei nº 11.101/05, aqui se presta uma merecida homenagem aos saudosos Osvaldo Biolchi Deputado Federal, Relator do projeto na Câmara dos Deputados, e também ao memorável trabalho do inesquecível professor e jurista Nelson Abrão, o qual décadas atrás já havia escrito e doutrinado sobre a ineficácia do Decerto Lei nº 7.661/45 e analisado as vantagens dos avanços dos modelos do direito concursal estrangeiro, tomando como substancial o direito francês, redefinindo, assim, padrões e parâmetros que foram albergados pelo Congresso Nacional e posteriormente pelo Senado Federal quando da aprovação do mencionado diploma legal e de sua vacatio legis para entrada em vigor em junho do ano de 2005.
3.2 Os Avanços Legislativos e a Tendência Disruptiva do Setor Aéreo
O incremento tecnológico, em todos os setores, tem dado saltos de qualidade não apenas em direção à proteção do meio ambiente, mas também pelo pioneirismo de se cogitar de aeronaves movidas a eletricidade e também placas solares, inclusive dobrando a velocidade da luz para voos interplanetários, o que por certo vai depender de um forte investimento, de uma visão de futuro entre parcerias público-privadas na medida em que, não conseguindo suficiente número de ageiros para lotação de voos, as empresa aéreas reduzem a disponibilidade de aeronaves e tornam cada vez menos frequentes os transportes aéreos para determinadas cidades, o encarecimento do bilhete aéreo somado ao fato de uma reviravolta das agências de viagem e da atomização da compra de bilhetes pela internet com a molecularização de seguimentos específicos, todos esses ingredientes edificaram no que se denomina disrupção para o equilíbrio do investimento, aumento da interdependência e melhor projeção de resultados.
São enormes os desafios que o setor aéreo enfrentará na próxima década, entre crises e sobressaltos, porém, são necessárias pesquisas, aumento da concorrência, da competitividade mediante políticas públicas eficientes e uma revisão muito forte do modelo legislativo, inclusive desoneração tributária dos insumos paulatinamente, tudo isso para poder alcançar um coeficiente que traga confiabilidade não apenas ao consumidor brasileiro, mas também ao estrangeiro para usufruir dos serviços oferecidos e conquistar espaço em outros países.
Não se pode perder de vista também que muito se cogita sobre a arbitragem a título de resposta eficiente para as empresas em crise, porém, no tratamento da disciplina do setor aéreo não se comunga do respectivo pensamento, porquanto o impacto se reporta mais forte e firmemente em relação aos credores, arrendantes espalhados por diversos países, somando-se a uma conjugação de esforços para substituição da aeronave por outras de igual quilate e com maior eficiência possível, tanto assim que aqui se trata de um ponto de reflexão: se conseguimos colocar a empresa Embraer, localizada em São José dos Campos e elevado índice de reconhecimento internacional, exportando aviões comerciais e de todos os outros tipos para diversos países, por que não somos capazes de enfrentar a crise do setor aéreo nacional e lhe oferecer soluções a curto prazo para evitarmos um possível apagão sem perspectiva de remédios que possam ser amargos no começo, mas que cuidarão dos paciente debelando a crise do setor e um quadro de insolvência que preocupa pela instabilidade do modelo e de problemas rotineiros, muito dos quais dizem respeito à manutenção das aeronaves.
IV. A Cooperação e Colaboração no Processo de Reorganização Societária do Setor Aéreo
4. Limitações da Legislação Brasileira e a Busca por Soluções no Modelo Norte-Americano
Destacamos que a legislação brasileira ainda não se mostra à altura de resolver os principais problemas causados pelos impactos da crise no setor aéreo, o que desloca, invariavelmente, a tenção para a proteção do Capítulo 11 da legislação americana, até porque a recuperação extrajudicial, além de demorada, representa entraves e não impede, na prática, eventuais demandas, inclusive constrições patrimoniais.
Contudo, ainda que o modelo norte-americano preveja forte proteção à empresa aérea que dele se socorre, não se pode, de forma alguma, se distanciar de um juízo universal recuperacional local, ou seja, a empresa apresenta um plano perante a Corte norte-americana, o qual está sujeito às adaptações e críticas de especialistas, porém, os credores locais, principalmente quirografários, além dos trabalhistas, por óbvio, poderão diminuir os prejuízos quando mantivermos um juízo especializado para tratar da matéria, centralizando e unificando os ivos, permitindo cooperação e colaboração entre o juízos, por meio da internacionalização do pedido, de informações em tempo real, tudo que não prejudique, em tempo real, a liquidação dos ativos e o pagamento de credores, preferencialmente aqueles trabalhistas e também considerados extraconcursais.
Conjuga-se, assim, numa única tônica, a esperança da submissão do procedimento na corte internacional, mas perante o território brasileiro invoca-se a legislação local como pano de fundo para a formação do quadro geral de credores, eventual nomeação em cooperação de um judicial para as respectivas etapas de avaliação dos ativos e planos de pagamento em realização do ivo.
4.1. Papel do Estado e da Regulação na Superação da Crise do Setor Aéreo
O enfretamento da crise do setor aéreo, como frisamos, a por um redimensionamento da política governamental ao encontro de soluções que evidenciem esforço comum de preservação da atividade econômica empresarial, daí porque, se muitos entendem que as concessionárias e prestadores de serviço público não estão sujeitas à legislação de recuperação judicial, excepcionalmente extrajudicial, já não podemos mais aguardar providenciar para reiniciar uma discussão a respeito das falhas e do aumento do número de demandas para ressarcimento de danos morais, em solo nacional, tanto de companhias aéreas locais, mas também estrangeiras, o que não ressoa, de forma alguma, na convenção de Varsóvia ou Montreal, considerando o Tema 210 do STF, indenização tarifada, porquanto, em termos de legislação consumerista, o dano moral não está subordinado ao caminho traçado pela Corte Suprema.
Ainda importante salientar, a par de todas as complicações do modelo de reorganização societária de empresas aéreas, a dificuldade que se pontua na respectiva escolha do judicial, uma vez que não basta o conhecimento e discernimento sólidos econômicos ou contábeis, mas sim a experiência e vivência para que qualquer plano possa ser aprovado, sujeito à mudanças, encolhimento da companhia e transformações istrativas para preliminar diagnóstico da crise e superação do alto nível de endividamento e retomada do seu fluxo com a liberação da própria liquidez.
A presença do Ministério Público desponta essencial no acompanhamento da rotina, do estudo de viabilidade e também na premissa da responsabilização do próprio devedor e dos es, ou no respectivo afastamento, quando não apresentarem informações fidedignas ou ocultarem dados substanciais e imprescindíveis à própria temática da recuperação empresarial.
V. A Sinopse da Visão Plural no Setor Aéreo
5. Reestruturação e Continuidade das Empresas Aéreas em Meio à Crise
Dentro dos limites do possível em razão da economia de conjuntura, conforme pondera André Lara Resende, é preciso, antes de mais nada, reativar a economia como mola propulsora, considerando que a desalavancagem do setor financeiro não é capaz de solucionar o problema das empresas, principalmente do setor aéreo em função da imprestabilidade do modelo normativo, quando o maior ativo das companhias está ligado à somatória das aeronaves arrendadas e a impossibilidade de solução de continuidade no pagamento do respectivo arrendamento mercantil.
Conveniente ainda destacar o princípio fundamental da continuidade dos contratos, nada obstante a crise que assola as companhias aéreas, sendo fator decisivo para renegociação do elevado grau de endividamento e reestruturação interna para melhoria de suas atividades empresariais.
Vimos no caso das empresas Gol e Azul, respectivamente, que a par do pedido apresentado perante a Corte norte-americana, sob os auspícios do Capítulo 11, internamente foi dinamizada uma espécie de fusão para redução do atendimento da malha aérea na função de um duopólio e na expectativa de aglutinar recursos satisfatórios para a injeção financeira essencial à preservação das empresas.
É o pensamento que se extrai de Yves Felix Guyon quando afirma que mesmo durante o período de observação, preparação da empresa para sua reorganização envolve obediência aos contratos em curso, preconizando-se a faculdade do exigir a execução dos mencionados contratos, em particular de arrendamento mercantil, daí porque a Lei nº 11.101/05 mesmo com a mudança inserida no ano de 2020, nenhum dos dois diplomas normativos permite, a título global, que a recuperação judicial ou extrajudicial acenada por uma empresa aérea possa produzir efeitos no exterior.
O sucesso ou insucesso de um plano de rendimento de empresas aéreas em crise não está exclusivamente adstrito à injeção de recursos financeiros como é peculiar na legislação americana, mas depende de uma reestruturação societária para enxugamento do quadro, até provavelmente o número de aeronaves em serviço, das equipes, da tripulação, toda uma reengenharia que por certo identificará a qualidade e transparência do balanço, animando, assim, o mercado e todo o extenso número de consumidores a acreditarem da viabilidade do negócio sem grandes alterações, principalmente em relação à prestação dos serviços ao consumidor final.
Na doutrina de Penalva Santos e Felipe Salomão a percepção sobre o diagnóstico da crise e o estudo de viabilidade da empresa, tudo isso participa uma análise peculiar do contrato de arrendamento mercantil no setor aéreo, uma vez que o arrendante pode exercer o direito, inclusive apreender a aeronave em qualquer aeroporto internacional no qual estiver.
Confere-se, assim, uma revisão em termos de novação da recuperação judicial dissociando-se uma estrutura internacionalizada, global, das empresas aéreas considerando a primazia dos contratos bilaterais, em particular de arrendamento mercantil, tendo em vista que a própria Lei nº 11.101/05 prevê no art.
49, § 3º expressamente que o contrato de arrendamento mercantil a ela não se sujeita (recuperação judicial), não cabendo modificação pelo plano.
Contudo, pelo prazo do stay period, de 180 dias, de acordo com o art. 6º, § 4º, fica os arrendatários autorizados a permanecer na posse do bem arrendado durante o prazo de 180 dias.
Aqui está nítido o viés da tutela econômica sobre o equipamento arrendado, considerando que sua retirada da posse da empresa recuperanda pode inviabilizar a própria continuação do negócio.
O sobredito prazo de 180 dias, a par de ser exíguo, se concatena com a submissão à assembleia geral de credores do plano para efeito de aprovação, na medida em que se cogita de se tratar de bem essencial para a atividade empresarial.
A Lei nº 11.101/05 por meio do art. 199 e seus parágrafos, estabeleceu que em hipótese alguma estará suspenso os exercícios dos direitos derivados dos contratos de arrendamento mercantil ou de qualquer modalidade de arrendamento de aeronave ou de suas partes.
Adotada a dicotomia, o legislador conceituou tanto arrendamento mercantil na modalidade de leasing, mas também aquele operacional, a referida modificação baseou-se no leading case da empresa Varig S.A. diante da brecha normativa deixada pela Lei nº 11.101/05.
Tal matéria ou a ter desdobramento na Corte de Nova Iorque quando os arrendadores norte-americanos intencionaram a retomada das aeronaves sob a posse da empresa Varig, o que significa dizer, em linhas gerais, que a crise econômico-financeira de uma empresa aérea não pode obter uma solução por meio da recuperação judicial, considerando que o período disciplinado não se aplica aos casos de arrendamento mercantil ou operacional de aeronaves.
Estudo a respeito chegou à conclusão que o custo do leasing pelas companhias aéreas fazem parte dos maiores gastos das empresas aéreas brasileiras, daí porque a tendência de se buscar proteção em solo estrangeiro, principalmente norte-americano para efeito de reestruturação societária.
5.1. Duas Décadas da Lei nº 11.101/05: Desafios, Aprimoramentos e Perspectivas para o Setor Aéreo
O transcurso de duas décadas da Lei nº 11.101/05 propiciou um forte amadurecimento do seu enraizamento, a criação de varas especializadas e de uma jurisprudência sedimentada ao longo dos anos revelando que, sem uma moderna legislação, toda a atividade econômica e impregnada do seu empreendedorismo está fadada ao insucesso, repetindo-se os erros e as mazelas do Decreto Lei nº 7.661/45.
Portanto, se não podemos nos ufanar das leis vigentes, principalmente em decorrência de graves fraudes contábeis, extrapolação do devedor, dos es, envolvendo conselho de istração e conselho fiscal, iniciamos uma nova etapa alvissareira projetando a reconstrução do modelo, sua revisão e uma reflexão pormenorizada sobre os imes do setor aéreo, a exigir transparência, não apenas em momentos de acidentes aéreos fatais, mas também no apontamento pelo órgão regulador, de antemão, de desvios de comportamento e de conduta com grave repercussão na continuidade da concessão do serviço público.
Projetado um leque complexo e abrangente atinente ao novo amanhã do setor aéreo, todas as nossas considerações não são pessimistas e nem otimistas, mas realistas, para que podemos lançar a semente e futuramente colher seus frutos em termos de uma transformação geral, não apenas legislativa, mas substancialmente de economicidade, capaz de proteger o mercado, o setor aéreo como um todo e proteger ao consumidor, primeiro e único destinatário de uma boa e eficiente qualidade do serviço público.
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