A coragem de dizer não
Não! – quer dizer SIM, quando o que se acha em jogo se refere à defesa do sistema democrático
Bertold Brecht, numa de suas elaborações sobre o nazismo, conta a história de um homem que aprendeu a dizer não. Era um cidadão comum quando recebeu a visita de um agente do governo. Este se instalou em sua casa, usufruiu de comida e bebida; e dormiu na melhor cama. Um dia, inchado de tanto comer, beber e dormir, morreu. O cidadão comum abriu uma cova no jardim e lhe atirou o corpo. Feito isso, com um desprezo acumulado por anos, antes de o cobrir de terra, voltou os olhos para ele e disse: NÃO!
O enfrentamento da Universidade de Harvard com Donald Trump lembra, além da noção de resistência, a necessidade de dizer: Não! – com tudo que a palavra possui de afirmativo. Nenhuma nação prosperou sem preservar a sua liberdade de construção de saber. Particulares ou governamentais, essas instituições garantiram sempre, junto à opinião geral, a importância de sua autonomia, quando se trata de avançar nos campos obscuros da ignorância para a enfrentar e superar. A sociedade agradece, cultuando os seus quadros, não com grandes salários, mas sem dúvida com doses redobradas de prestígio. Bombardear semelhante tradição, sob qualquer pretexto, implica apostar no atraso e enveredar pelos caminhos tortuosos do arbítrio. Foi o que motivou Harvard para afirmar, corajosamente, o seu Não! - e exprimir a própria altivez. Mesquinho como se tem revelado, o governo de Trump se vinga cortando verbas para o funcionamento e os investimentos científicos. A se efetivar a ameaça, perde a comunidade e o país envereda no atraso.
Tal postura dera certo com a Universidade de Columbia. Esta se dobrou vergonhosamente, disposta a reprimir estudantes com seus protestos contra o genocídio em Gaza. Para se provar dócil, contratou 400 seguranças com poder de polícia a fim de prender e deportar estrangeiros. No entanto, sólida desde o século XVII, Harvard tem recebido aplausos por sua conduta, vindos de autoridades, como Barack Obama e organizações acadêmicas, como Yale e Berkeley. É possível que o tapa na cara não faça bem ao primeiro mandatário e a fúria lhe contamine os gestos. Entretanto, a força na vontade de repetir: Não! - pode se revelar maior do que suas energias retaliatórias. Mexer com organizações dotadas de tradição não representa tarefa política fácil, ainda mais quando a hipótese da tirania começa a brincar na mente do público, exigindo respostas.
Não! – quer dizer SIM, quando o que se acha em jogo se refere à defesa do sistema democrático. No Brasil, já assistimos o fenômeno por ocasião do 8 de janeiro e agora diante do episódio da cassação do deputado Glauber Braga. E Não! - também significa sim em termos de saúde mental, se continuarmos a apostar em nossa emancipação. Foi por isso que o Glauber fica! – demonstrou força. Pela dignidade humana, a luta parece doce e restauradora. É fato histórico.
* Ronaldo Lima Lins é escritor e Professor Emérito da Faculdade de Letras da UFRJ.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: